Excelente artigo de opinião no "Público" de hoje...
Eluana Englaro, uma morte nem doce nem digna
Pedro Vaz Patto
É pouco verosímil que alguém queira morrer à fome e à sede com plena consciência do que isso significaMorreu Eluana Englaro, depois de ter permanecido cerca de dezassete anos em estado vegetativo persistente. Teve este triste desfecho um caso que, desde há cerca de dez anos, foi objecto de decisões judiciais controversas e contraditórias entre si e que dividiu, e continua a dividir, a opinião pública italiana entre fracções que coincidem, em grande medida, com os partidários e os adversários da legalização da eutanásia. Invoca-se normalmente a favor da legalização da eutanásia o propósito de eliminar o sofrimento e de proporcionar ao doente terminal uma morte digna. Mas com a eutanásia não se elimina o sofrimento, elimina-se o doente. No caso de Eluana Englaro, a morte ocorreu pela privação de alimentação e hidratação, por inanição e desidratação, pois. Não pode dizer-se que se trata de uma morte "doce" ou "digna", nem de uma morte "natural", nem pode dizer-se que com esta morte se pretende eliminar o sofrimento. Trata-se de uma morte atroz, que já alguém comparou à tortura. A alimentação e a hidratação são cuidados normais, sempre devidos, que nunca podem considerar-se uma terapia inútil ou desproporcionada. Uma terapia será inútil quando não acarrete qualquer bem para o doente e desproporcionada quando o bem que possa acarretar não compense o mal e a penosidade que também possa acarretar. Neste caso, a alimentação e a hidratação são inegavelmente um imperativo dos princípios da beneficência e da não maleficência, precisamente porque evitam a penosidade própria da morte por inanição e desidratação. E a morte ocorre, não como sucede quando há abstenção de terapias inúteis ou desproporcionadas, por causa da própria doença, que se revela insuperável, mas precisamente por causa da inanição e da desidratação. Apoia-se a decisão que conduziu à morte de Eluana na suposta vontade desta, em depoimentos de testemunhas que declaram que ela um dia, perante o facto de uma determinada pessoa permanecer em estado de coma depois de um acidente, ter afirmado que seria melhor que essa pessoa tivesse morrido. É muito difícil extrair conclusões dessa afirmação e muito duvidoso que de uma afirmação proferida num contexto tão distante e tão diferente se possa deduzir a sua hipotética vontade actual. Não seria certamente uma vontade esclarecida e será pouco verosímil que alguém queira morrer à fome e à sede com plena consciência do que isso significa. O doente em estado vegetativo persistente não está "morto", nem "semimorto", padece, sim, de uma muito grave deficiência. Não é por padecer de uma deficiência, por muito grave que esta seja, que a sua vida é menos digna, como se a vida humana pudesse perder dignidade com a deficiência. A sua sobrevivência será um peso para a família, para as estruturas familiares e para a sociedade em geral - não o podemos negar. Mas é uma exigência do respeito pela dignidade da pessoa humana e um desafio ao amor e à solidariedade autênticas, um desafio que até aqui tinha sido acolhido com todo o empenho pelas religiosas que cuidavam de Eluana desde há vários anos. É grave e triste que a dimensão e importância desse desafio não tenham sido compreendidos. A questão diz respeito à vida e à pessoa de Eluana, mas também aos valores da vida humana em geral e da dignidade da pessoa deficiente nas nossas sociedades. Juiz
Sem comentários:
Enviar um comentário