sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

IRS,Robin dos Bosques e uma confrangedora tristeza...

Excelente artigo de opinião no "Público" de ontem...

IRS, Robin dos Bosques e uma confrangedora tristeza
Miguel Frasquilho

Agravando a tributação sobre os rendimentos do trabalho só se afugentará do país os melhores quadros. Mesmo sabendo que 2009 é ano eleitoral (com três eleições) e que o primeiro-ministro é, habitualmente, em minha opinião, muitíssimo demagógico na forma como faz política, confesso que não imaginaria possível que José Sócrates (J.S.) tivesse recentemente anunciado, em plena campanha para as eleições internas no PS, e como "bandeira no combate às injustiças fiscais e na construção de uma maior equidade fiscal", a limitação das deduções fiscais dos mais ricos em sede de IRS para aumentar as da classe média. Do meu ponto de vista, este anúncio é de uma confrangedora tristeza. Por todos os motivos que a seguir enumero. Primeiro. Detalhando mais a sua proposta, J.S. referiu que "as pessoas dos 10 por cento com rendimentos mais elevados deduzem em termos de saúde cerca de 300 euros e as pessoas em rendimentos médios deduzem 80 euros". E deu como exemplo o seu próprio caso: ganhando cerca de cinco mil euros por mês, cai no escalão dos 42 por cento e, como tal, deve ter menos deduções fiscais em saúde e educação do que as actuais. Mas depois, questionado sobre se se considerava rico, o primeiro-ministro respondeu que não. E, portanto, ficámos a saber que, afinal, as alterações que Sócrates propõe não vão tributar mais os ricos - ao contrário do que tinha afirmado inicialmente. Primeira contradição. Segundo. Esta proposta incide unicamente sobre os trabalhadores por conta de outrem - que, como se sabe, são aqueles que não escapam minimamente à tributação (devo esclarecer, desde já, que me incluo nesta classe; que, tal como o primeiro-ministro, estou no escalão de 42 por cento; e - um ponto em que concordo com J.S. - também não me considero rico). Dá vontade de perguntar: os "ricos" são os trabalhadores por conta de outrem? E os outros tipos de rendimentos que não dependem do trabalho? Sobre isso, da boca de José Sócrates... zero. Segunda contradição.Terceiro. Mas há pior: peguemos na redistribuição que o primeiro-ministro pretende fazer em favor da classe média, usando, para tanto, os últimos dados disponibilizados pela Direcção-Geral dos Impostos, referentes a 2006. Excluamos os cerca de 2,9 milhões de agregados que se situam nos dois escalões mais baixos de IRS (cujas taxas marginais são 10,5 por cento e 13 por cento, e que, pelo facto de os seus rendimentos serem inferiores a 7192 euros durante o ano de 2009, não constituem, por certo, a classe média...). Admitamos que os "beneficiados" serão os cerca de 1,4 milhões de contribuintes que caem nos três escalões intermédios cujas taxas marginais são 23,5 por cento, 34 por cento e 36,5 por cento (a "classe média"); e que os "prejudicados" são os cerca de 39 mil agregados que se situam nos dois escalões mais elevados (com taxas de 40 por cento e 42 por cento) que, em média, segundo J.S., deduzem em despesas de educação e saúde cerca de 300 euros. As contas são fáceis de fazer: mesmo no caso extremo de as deduções em educação e saúde acabarem para os dois escalões mais elevados de rendimento (o que proporcionaria a maior redistribuição, mas nem é a situação mais provável), a classe média de 1,4 milhões de contribuintes beneficiaria, em média, cerca de oito euros por ano, ou cerca de 70 cêntimos por mês - e isto na melhor das hipóteses! Justiça e equidade? Será que J.S. fez as contas? Ou quem lhe deu esta ideia não as soube fazer? É que é mau de mais para ser verdade. Trata-se, apenas e só, de brincar com a classe média. Uma brincadeira que chega a ser insultuosa. "Robin dos Bosques"? Onde?Quarto. Se o primeiro-ministro quer tributar mais os 10 por cento de trabalhadores por conta de outrem com maiores rendimentos, como referiu, então vai atingir as quatro últimas classes, começando na de 34 por cento, em que já caem todos os que auferem menos de dois mil euros mensais - que nem como "rendimento elevado" podem ser classificados, quanto mais como "ricos"... E, portanto, também quando se refere aos 10 por cento de contribuintes com rendimentos mais elevados, o primeiro-ministro pareceu desconhecer do que estava a falar...Não exagero se disser que me faltam as palavras para catalogar esta forma de fazer política. Desde logo, porque a demagogia atingiu uma escala nunca antes vista. Quando esta medida é apresentada como "estruturante" em termos de equidade fiscal, estamos conversados.Depois porque, se o PS ganhar as eleições e J.S. continuar a governar, esta proposta, sendo aplicada, irá complicar ainda mais o nosso sistema fiscal (neste caso o IRS) que já de si é tão complexo - e isto porque irá distorcer ainda mais as deduções, ao diferenciá-las entre escalões de rendimento... O caminho que irá ser trilhado é, pois, exactamente o oposto das tendências internacionais e que seria tão necessário: reduzir drasticamente deduções, excepções e isenções; diminuir o número de escalões; e baixar as taxas de tributação, assegurando que a redistribuição do rendimento se faça, maioritariamente, pelo lado da despesa pública e não pela via fiscal como hoje sucede. Assim, agravando a tributação sobre os rendimentos do trabalho mais elevados (porque é disso que se trata), só se afugentará (ainda mais) do país os melhores quadros, sobretudo jovens, que cada vez menos encontram justificação para aqui permanecer. E esses são os que interessava mais que ficassem, porque são os mais produtivos e geradores de maior valor acrescentado. Numa época em que a fiscalidade tem assumido um papel cada vez mais relevante enquanto vertente da política económica (sobretudo virada para a competitividade), será que o nosso país é o único que vai na direcção certa e todos os outros estão errados? Não creio. A paupérrima evolução da nossa economia confirma o desacerto das opções de política que desde há longos anos têm vindo a ser prosseguidas. E, com exemplos destes - dados por quem devia ser um exemplo para a sociedade -, só se tenderá, infelizmente, a perpetuar a actual situação. Economista. Deputado do PSD à Assembleia da República

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