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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Como o dinheiro público se transforma em dinheiro privado

Como o dinheiro público se transforma em dinheiro privado
Santana Castilho - 20090819

É chocante o desprezo pela autonomia das escolas, sempre apregoada, mas sempre calcadaClara Viana (PÚBLICO de 16/8/09) veio dar- nos conta daquilo que alguns gostariam que passasse de fininho: por convite directo, sem concurso nem publicitação, foram gastos mais de 20 milhões de euros em projectos de arquitectura de remodelação de escolas secundárias. Num útil trabalho jornalístico, Clara Viana e as suas fontes, o presidente da Ordem dos Arquitectos e o director do Departamento de Salvaguarda do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, entre outros, deixaram inquietos os contribuintes conscientes. Quando está em jogo um investimento de 2,5 mil milhões de euros, não é aceitável a falta de transparência e os expedientes dúbios agora denunciados.
Os impostos são a forma universal de transformar o dinheiro privado em dinheiro público. A engenharia burocrática é um dos processos particulares de verter em dinheiro privado o dinheiro público. Enquanto fórmulas legais de extorsão, estão sujeitas à censura política e ao crivo da apreciação ética e moral. Foi por isso que critiquei, em artigo de 26 de Fevereiro de 2007, a constituição da "Parque Escolar, EPE", "entidade pública empresarial", na origem da matéria em análise.
As chamadas empresas públicas nasceram como cogumelos. Na sua génese estão teorias ligeiras, de cariz neoliberal, segundo as quais só há eficácia no sector privado, ou espertezas que visam tornear as dificuldades de um Estado que não se sabe reformar. Falsas questões. Porque há empresas privadas tão burocratas como o mau Estado e instituições públicas que funcionam bem e são eficazes. A dicotomia não é, portanto, entre o público e o privado. É entre o bem gerido e o mal gerido. A diferença séria está no que visam instituições diferentes: o sector privado visa o interesse (legítimo) privado; o sector público visa o interesse colectivo; o que significa que existem matérias que devem ficar sob o foro público e outras em que o Estado não se deve meter, senão para regular e fiscalizar. Mas naquelas em que podem (e devem) coexistir os dois modelos, é bom que não sejamos promíscuos.
Uma "entidade pública empresarial" afigura-se-me uma coisa promíscua, híbrida como as fundações modernas, que retiram do saco público, directamente, ou por interposto expediente, o dinheiro que deveria ser próprio. A "Parque Escolar, EPE" nasceu para desempenhar um papel híbrido, adequado à gestão política do Governo que a concebeu. Sendo Estado (porque é integralmente do Estado, foi do Estado que recebeu o património, é ao Estado que reporta e é o Estado que lhe nomeia os corpos gerentes e cobre, com os nossos dinheiros, os resultados de eventual má gestão) não se sujeita às regras das instituições do Estado. Com efeito, pode, entre outras prerrogativas, vender, comprar e contratar por ajuste directo; pode admitir trabalhadores sem sujeição a congelamentos; pode fixar-lhe livremente o salário e os modelos de gestão, em todas as vertentes, disciplinar inclusa. Sendo empresa, tem privilégios que fazem inveja: não paga taxas, não tem que fazer qualquer registo, nem sequer o comercial; tem poderes para expropriar, embargar, cobrar taxas e decretar demolições. O desaforo é tal que, se algum português demandar pessoalmente, em juízo, qualquer titular da "Parque Escolar, EPE", ou simples trabalhador (presto tributo a este rasgo proletário), por factos praticados no exercício das suas funções, os ditos estão isentos do pagamento de custas judiciárias e têm direito a patrocínio judiciário, que pode ser assegurado pelos serviços jurídicos respectivos ou por advogado contratado (e pago por todos nós).
O que fica dito a propósito desta empresa pública não esgota os reparos possíveis e é tão-só paradigma de uma maneira reprovável de gerir e mascarar factos: o Governo diminuiu as verbas consignadas às remunerações certas e permanentes do funcionalismo público, cortou e extinguiu aí, para aumentar exponencialmente as consignadas a aquisições de serviços em outsourcing, num belo processo de transformar rápida e legalmente dinheiro público em dinheiro privado. Como se a moral não existisse e não devesse preceder sempre a invocação da capa asséptica da lei. Como se a verificação da conformidade com as normas resolvesse a incomodidade cívica que resulta da ausência de ética neste tipo de gestão. Como se a maioria preterida, gente de segunda, devesse ceder, subserviente, o passo à minoria preferida, gente de primeira.
No caso concreto em apreço e noutra vertente de análise, é chocante o desprezo pela autonomia das escolas, sempre apregoada, mas sempre calcada. O mesmo Governo que a invoca em nauseantes discursos de pura propaganda política retirou aos gestores das escolas qualquer direito sobre um dos instrumentos de gestão mais básicos, qual seja o próprio espaço físico em que actuam. De uma penada, o direito de propriedade de sete escolas de referência (Liceu Nacional de D. Dinis, Liceu D. João de Castro, Liceu Pedro Nunes, Liceu de Passos Manuel, Liceu Rodrigues de Freitas, Escola do Príncipe Real e Escola Comercial Oliveira Martins) passou para a "Parque Escolar, EPE". Os utentes de décadas nem mereceram que o seu quadro de utilização futura justificasse qualquer referência, simbólica que fosse. A capacidade dos professores gerirem o interesse das escolas no quadro das intervenções técnicas de arquitectura foi liminarmente ignorada. Mas a capacidade da "Parque Escolar, EPE" verter na sua actividade os desenvolvimentos da Psicologia, das Ciências Sociais e das Políticas Públicas foi acolhida em lei. Significativa distinção. Professor do ensino superior.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A caixa negra do PS e a educação - Santana Castilho

Mais um texto superiormente escrito pelo Prof. Santana Castilho, publicado no "Público" de hoje...

A caixa negra do PS e a educação
Santana Castilho


Cai Sócrates e o PS. O eleitorado tem dois meses para lhe analisar a caixa negra e perceber as causas do desastre O episódio Manuel Pinho tornou degradante o debate sobre o estado da nação. A grosseria a que o país assistiu em directo espelha a cultura que nos tem governado nos últimos quatro anos, afastada do povo e sem respeito pelo órgão que o representa.
Não me interesso por futebol. Mas as recentes eleições do Benfica entraram-me em casa e demonstraram-me que o Estado está em licença sabática. Um tribunal tomou uma decisão sobre o acto. Logo os visados anunciaram que não a cumpririam. E não cumpriram, não se coibindo de a comentar na televisão, em linguagem ordinária. E nada aconteceu, para além de celebrações entusiásticas em que participaram figuras públicas, que desempenharam e desempenham cargos de grande responsabilidade social. O verdadeiro estado da nação está espelhado nestes episódios da vida quotidiana.
A criação de mitos é sempre servida por poderosas máquinas comunicacionais. À sombra dos mitos acoitam-se legiões de incondicionais. E quando o processo claudica, face à linguagem incontestável dos resultados, é degradante ver a máquina em tentativa desesperada de se auto-alimentar, à custa do que julgam ser a irracionalidade dos outros.
Caiu Jardim Gonçalves, caiu Rendeiro, caiu Oliveira e Costa, caiu Dias Loureiro, afunda-se Sócrates e este PS alienante e redutor. O eleitorado tem dois meses para lhe analisar a imensa caixa negra e perceber as causas do desastre.
No que à Educação respeita, a próxima legislatura tem uma tarefa: apanhar os cacos e trazer paz às escolas e aos professores. Para isso tem, entre outras, oito acções incontornáveis, a saber:
a) Assumir, finalmente, a autonomia das escolas. O paradigma tradicional de gestão do sistema está esgotado. O poder tem de confiar nos professores e entregar-lhes a responsabilidade efectiva de gestão das suas escolas. Como corolário óbvio, devem ser extintas as direcções regionais de Educação e proceder-se à adequação consequente da estrutura orgânica do Ministério da Educação. As valências centrais devem limitar-se à definição das políticas de natureza nacional, à supervisão, ao controlo da qualidade e aos instrumentos de avaliação e relativização dos resultados. Deste enunciado genérico emana a imperiosa necessidade de despolitizar todos os serviços técnicos. Há que ganhar uma estabilidade de funções, que persista para lá das mudanças dos políticos, protegendo a administração superior da volatilidade política.
b) Conceber um verdadeiro estatuto de carreira docente, em que os professores portugueses se revejam, que seja instrumento de desburocratização da profissão, fixador de claro referencial deontológico, gerador de estabilidade profissional e indutor de uma verdadeira autonomia responsável, de natureza pedagógica, didáctica e científica. Naturalmente que o fim da divisão da carreira em duas é obrigatório. Naturalmente que a adequação das necessidades das escolas à dimensão dos quadros é desejável.
c) Definir um modelo de avaliação do desempenho útil à gestão do desempenho, isto é, que identifique obstáculos ao sucesso e se oriente para os solucionar, que tenha muito mais peso formativo que classificador. Que se preocupe mais com a apropriação, por parte dos professores, dos valores que intrinsecamente geram sucesso e melhoram o desempenho, que com os instrumentos que extrinsecamente o pretendam promover. Que reflicta a evidência da complexidade do acto educativo, que não pode ser alvo dos mesmos instrumentos que se aplicam à medição de bens tangíveis. Que assente no reconhecimento de que a actividade docente tem uma natureza eminentemente colaborativa e dispensa instrumentos geradores de competição malsã. Que seja exequível e proporcional à sua importância no cotejo com outras vertentes da profissão.
d) Alterar o modelo de gestão das escolas, compatibilizando-o com o novo paradigma de autonomia, devolvendo-lhe a democraticidade perdida, adequando a natureza dos órgãos às realidades sociais existentes e abandonando a lógica concentradora do poder num só órgão.
e) Alterar o estatuto do aluno, orientando-o como instrumento promotor de disciplina e gerador de responsabilidade, rigor e trabalho. Deve ser abandonada a promoção estatística do sucesso e retomada a seriedade dos instrumentos de certificação dos resultados.
f) Redefinir globalmente os planos de estudo e os programas disciplinares, articulando-os vertical e horizontalmente. Cabe aqui a aceitação de que há limites institucionais e pessoais, uma hierarquização de importância das diferentes disciplinas, em função de faixas etárias, ciclos de estudo e orientação vocacional, e um papel nuclear de outras, que se deve reflectir na composição dos curricula.
g) Reorganizar as actividades de resposta a necessidades educativas especiais, com expresso abandono de utilização, em contexto pedagógico, da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e retorno dos professores especializados ao trabalho exclusivo com crianças portadoras de necessidades especiais.
h) Devolver aos professores espaço e tempo para reflexão sobre a prática profissional e autoformação e promover o debate sobre conceitos educacionais não suficientemente apreendidos pela sociedade. Com efeito, a insuficiente tentativa de obter consensos possíveis sobre esses temas e o fomento de climas de quase ódio entre correntes doutrinárias opostas e ideologias políticas diversas têm impedido que as decisões perdurem para além dos tempos políticos e mudem em função do livre arbítrio de sucessivos governos e ministros. Professor do ensino superior

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Medo e Cobardia - Helena Matos - Público

Medo e cobardia
Helena Matos

É este espírito de medo, falta de princípios e cobardia que se incute diariamente nas escolas aos nossos filhos? É."Uma menina de 10 anos teve que receber tratamento depois de ter sido espancada. Agressão foi praticada na própria escola [Escola Básica Integrada do Monte da Caparica, em Almada] e os agressores apontados pela garota são quatro alunos, seus colegas. A GNR investiga o caso." Jornal de Notícias, 8 de Fevereiro

"A PSP vai comunicar ao Ministério Público a agressão sofrida, esta terça-feira, por um professor de Inglês da Escola Básica 2-3 Dr. Francisco Sanches, de Braga, que ficou a sangrar abundantemente depois de esmurrado pelo tio de um aluno, disse à Lusa fonte da corporação." Portugal Diário, 11 de Fevereiro

Estas são duas notícias recentes de agressões em escolas portuguesas. Em qualquer escola do mundo, pública ou privada, pode acontecer uma agressão. Mas o que está a acontecer em Portugal não é nada disso. À semelhança dos desastres de avião que frequentemente resultam não dum grande problema mas sim dum somatório de falhas que isoladamente não têm grande importância mas em conjunto desencadeiam a catástrofe, também uma leitura deste tipo de notícias permite concluir que algo de profundamente anormal está a acontecer nas escolas públicas, em Portugal. Por exemplo, no caso da agressão à menina na Escola Básica Integrada do Monte da Caparica, em Almada, verifica-se que a aluna foi agredida dentro da escola, durante uma hora. Nem funcionários nem professores deram por isso. Uma hora é muito tempo. E cinco crianças, isto a contarmos apenas a agredida e os agressores, envolvidas numa cena destas fazem uma certa algazarra. Mas admitamos que tal pode acontecer. Em seguida a criança agredida saiu da escola acompanhada por dois colegas, o que quer dizer que, pelo menos, entre os alunos já corria informação sobre a agressão. A menina tinha a roupa cheia de lama, sangue na boca e a cara esfolada. Mas saiu da escola, durante o período escolar, e repito: durante o período escolar, sem que qualquer funcionário ou professor considerasse que devia intervir. Ou teremos de admitir que uma criança neste estado consegue atravessar as instalações escolares e passar pela portaria sem que professores ou funcionários a vejam? É difícil entender que tal aconteça, mas admitamos que estava muito nevoeiro ou que estavam todos a contemplar o céu e logo também isto pode ser possível. Chegada a casa, a criança foi levada ao Hospital Garcia de Orta, cujo relatório citado pelo Jornal de Notícias diz o seguinte: "Criança de 10 anos, sexo feminino, vítima de agressão física por parte de quatro colegas da escola, todos com 11 anos. Hematoma facial esquerdo, dor abdominal e dorsolombar difusa, escoriações em ambas as palmas das mãos e lombares". Face a este relatório, a "GNR investiga o caso". Cabe agora perguntar o que faz a GNR no meio disto? Em relação aos agressores que nem sequer têm 12 anos não podem fazer nada. E sobretudo o que sucedeu naquela escola e está a suceder um pouco por todo o país é uma sequência de desresponsabilização por parte de professores e funcionários: não ver, não intervir, olhar para o outro lado tornaram-se a estratégia de sobrevivência numa escola sem autoridade nem prestígio. Na evidência dos hematomas ou das filmagens com telemóvel abre-se então um inquérito e apresentam-se queixas na polícia, como quem lava as mãos.Passando para o caso da agressão a um professor numa escola de Braga, nota-se exactamente o mesmo receio de intervir: um homem entra numa escola ameaçando bater num determinado professor. Não consegue e espera-o à saída da escola, tendo concretizado a agressão à saída, perante várias testemunhas. Não conheço qualquer outro local de trabalho, além das escolas portuguesas, onde uma pessoa ameaçada saia do seu local de trabalho sem que alguns colegas o acompanhem.É este espírito de medo, rebaixamento, falta de princípios e cobardia que se incute diariamente nas escolas aos nossos filhos? É. O vazio de autoridade nas escolas levou a isto: chama-se a polícia e abrem-se processos judiciais para tentar intervir em situações que um conselho directivo devia ter meios para resolver. Para cúmulo, deste ambiente perverso que levou à criminalização do quotidiano prometem-se agora câmaras de videovigilância para 1200 escolas. Alega o ministério que o Plano Tecnológico da Educação vai dotar as escolas de computadores, quadros interactivos e videoprojectores por cuja segurança estas câmaras irão zelar. Apanhando o comboio, muitas escolas esperam também que as câmaras dissuadam alguns actos de violência. Mas, como todas as semanas notícias como estas confirmam, o problema não é não ver. É não querer ver. Ou ter medo de ver. Quantos adultos viram aquela criança ser agredida na Escola Básica Integrada do Monte da Caparica? Nenhum? E nenhum a viu sair da escola com lama e sangue na cara? Ninguém viu o agressor à espera do professor de Inglês à porta da Escola Básica 2-3 Dr. Francisco Sanches, de Braga? O que fez falta nestas escolas não foram câmaras de videovigilância. O que fez falta foi não ter medo de assumir responsabilidades. Jornalista a Coelhos. Nem mais nem menos. No novo imaginário da luta de classes eis o que somos: coelhos. Num momento do seu discurso na convenção do BE que alguns considerarão menos inspirado, Francisco Louçã recorreu à imagem dos "coelhos numa cova" fazendo coelhinhos para, por contraponto, ilustrar a improdutividade do capital cujas notas nada produzem.Esta abordagem do capitalismo enquanto algo artificial por contraponto à boa Natureza, dotada duma espécie de socialismo primitivo, não tem nada de novo.Por outro lado, também não é novidade para ninguém que os coelhos são o protótipo da Natureza de peluche pronta a consumir pelos jovens urbanos do BE. Mas o que é verdadeiramente interessante nesta frase de Louçã é que ela confirma a deslocalização das causas de esquerda do campo da ideologia para o da biologia.O BE não sabe o que fazer com a luta de classes e não cativa os sindicalistas. Os seus dirigentes preferem denunciar a globalização pela voz de activistas que saltitam de congresso internacional para manifestações aonde chegam após passagem pela América Latina, Gaza e Bruxelas.O corpo e não o capital ou o trabalho é, para o BE, o território onde se determina o que é e não é de esquerda. Donde vermos o casamento, a reprodução e a morte tornarem-se as linhas em torno das quais Louçã e os seus prosélitos organizam o seu activismo. Agora será o casamento dos homossexuais, a que se seguirá a eutanásia e seguidamente o problema da inseminação das lésbicas ou poderá ser tudo isto por outra qualquer ordem, pois o que realmente conta é fazer de cada um de nós um láparo enfiado numa cova à espera que Louçã nos abra os olhos.A coelheira tem ainda a extraordinária vantagem de funcionar como o território festivo onde o PS e o BE se encontram. É na coelheira e seus activismos que PS e BE criam aquele mínimo denominador místico comum que lhes permite, em tempo de coligações e acordos, andar por aí dizendo que são de esquerda, como outros dizem que vão a Meca ou ao beija-mão ao Papa, e sobretudo tentarem anatemizar todos aqueles que não pensam como eles.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

E a Deborah disse bravo! - Santana Castilho

E a Deborah disse bravo!
Santana Castilho

Os avaliadores internacionais não consideraram nenhum dado estatístico que tenha escapado às matrizes oficiais
Na semana passada, "a Deborah" veio a Lisboa dizer-lhe bravo! Ele tratou-a com a intimidade que as aspas sublinham, embora nunca a tenha visto na vida. Deu um murro no púlpito, repetiu o bravo e atirou-se à oposição. Depois despediu-se da ministra da Educação com um pretérito circunstancial "foi um prazer trabalhar consigo". Como no sambinha, "morreu" na segunda-feira, atrapalhando o debate: a oposição chamou-lhe mentiroso. Afinal, o relatório não era da OCDE.
A cena macaca não surpreende. Estamos habituados. Mas a macacada da cena merece comentário, até porque a pagámos a bom preço. A coisa não é um relatório de avaliação séria e credível. É um mero texto opinativo, de estilo duvidoso. Pouco me importa o currículo dos autores, quando as 93 páginas que produziram são de uma pobreza que dói. Vejamos porquê. As fontes documentais (anexo 2, pg. 89) são todas do Ministério da Educação. Nem uma das milhares de páginas que se escreveram, em oposição à política do Governo, mereceu a atenção dos peritos internacionais. A informação de enquadramento (pg. 13) é, pois então, um relatório "excelente" (sic, pg. 13) preparado para os peritos independentes pelo... Ministério da Educação e "um impressionante conjunto de dados" (sic, pg. 13) fornecidos pelo... Ministério da Educação. Os independentes internacionais não se deixaram enquadrar por nenhum dos livros publicados no período sobre as matérias em análise, por nenhum documento produzido em sede da Assembleia da República ou Conselho Nacional da Educação, por exemplo, associações científicas, profissionais ou sindicais, muito menos por dados estatísticos que tenham escapado às matrizes oficiais. Mas, para além de glosarem o "excelente" relatório e cavalgarem o "impressionante conjunto de dados", que mais fizeram os avaliadores internacionais? Passaram seis dias (pg. 26) em Portugal. Leram bem! Seis dias. E nesses seis dias tiveram tempo para fazer 14 reuniões, ouvir 58 pessoas (pgs. 87 e 88) e viajar pelo país em visita a 10 escolas. A resistência física dos avaliadores fica demonstrada. Mas o carácter epidérmico dos contactos a que procederam, também. A esmagadora maioria das pessoas com que se encontraram são altos quadros do Ministério da Educação. Dos quatro académicos que constam da lista, independentemente da respeitabilidade científica e profissional que merecem, três, pelo menos, são normais apoiantes das políticas do Governo e do partido político que o suporta. Das câmaras municipais inquiridas, seis são do PS. E na outra pontifica Valentim Loureiro, publicamente conhecido pela vassalagem a Sócrates e à ministra da Educação. A qualidade dos instrumentos de avaliação depende sempre de um conjunto vasto de variáveis. Mas há regras mínimas que, quando não cumpridas, como no caso vertente, abrem legítimo campo à suspeição de pré-ordenação para servir determinados resultados. Nesta avaliação, os factos demonstrados são substituídos por indícios intuídos. Nesta avaliação evocam-se com lisonja inusitada resultados que não estão sustentados por testagem independente, nem nada permite que se relacionem com as políticas que foram seguidas. As regras básicas do aleatório para as escolhas ou da representatividade para as amostras foram, tão-só, ignoradas. E isto é grave! Não é bravo!Este escândalo já tem segunda edição em marcha, com a anunciada entrega da avaliação dos cursos profissionais das escolas públicas a outra turma de independentes. Aí, como aqui, percebemos porquê: é preciso branquear mais uma mistificação. Com alguns dos muitos milhões que se inscreveram no Orçamento do Estado para pagamento de serviços a consultores externos, sempre se arranjará nova Deborah, que grite ao vento do CCB outro bravo. Professor do ensino superior

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Mais uma do Pinócrates... Gato escondido com rabo de fora...

Educação
PS terá feito alterações "online" em texto sobre relatório dito da OCDE
PÚBLICO

O Partido Socialista fez algumas alterações, na sua página de Internet, a um texto sobre o dito relatório da OCDE sobre educação, alterando-o para o formato apresentado na passada segunda-feira e no qual é elogiada a “resistência” da ministra da Educação, indica o “Jornal de Notícias”.
De acordo com o JN, no texto original, “ainda disponível no 'site' dos socialistas às 11h24”, o título da notícia era ‘Relatório da OCDE elogia política de Educação do Governo PS’. Às 16h00, já durante o debate quinzenal no Parlamento com a presença do primeiro-ministro, a página do PS mostrava um novo título, "José Sócrates elogia resistência da ministra da Educação".O JN indica ainda que foram também detectadas alterações no corpo do texto, “tendo sido substituída, no segundo parágrafo, a expressão ‘relatório da OCDE sobre política educativa’ por ‘estudo sobre política educativa’.Polémica sobre a autoria do relatórioDurante o debate quinzenal na Assembleia da República, a oposição acusou o Governo de mentir e de querer fazer passar o relatório sobre política educativa para o primeiro ciclo (2005-2008) como sendo da autoria da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico), quando o documento terá sido “pago e encomendado pelo Governo que segue metodologia utilizada pela OCDE”, segundo o Bloco de Esquerda, que denunciou a manobra no “site” esquerda.net. Esta polémica terá sido primeiramente levantada pelo blogue ProfAvaliação, que escreveu que “o estudo não é da OCDE”. “[O documento] é desenvolvido por um grupo de peritos ‘liderado por Peter Matthews’ e segue os critérios da OCDE. E foi solicitado pelo Ministério da Educação, que, para abonar a credibilidade, assegura que foi elaborado por uma equipa de peritos internacionais de ‘independentes’”, pode ler-se num post.Perante a imprecisão da origem do relatório, o líder parlamentar do PSD, Paulo Rangel, acusou o chefe do Governo: "O sr. primeiro-ministro e os assessores do Governo fizeram passar para a imprensa que isto era um relatório da OCDE quando não é. Faltaram à verdade aos portugueses".Rangel acrescentou ainda: "Se esse relatório é tão bom, é tão credível e merece tanta confiança porque teve necessidade de mentir, dizendo que pertence à OCDE, quando não pertence?”.Sócrates reconhece que relatório é da autoria de “peritos independentes"José Sócrates defendeu-se afirmando que o Executivo nunca atribuiu o estudo à OCDE. E citou o prefácio do documento para mostrar que “segue de perto a metodologia e abordagem da OCDE”, reconhecendo que o documento foi feito por “peritos internacionais independentes”.Na resposta a José Sócrates, o PSD não se mostrou satisfeito com as justificações e insistiu que a própria organização já veio desmentir qualquer vínculo com o relatório. Depois, apontou o dedo aos critérios seguidos, considerando insuficiente a consulta de sete autarquias – na sua maioria socialistas – e de dez escolas para apresentar resultados. “Um Governo que monta esta encenação (...) só por razões de propaganda não tem credibilidade nem merece a confiança dos portugueses”, acrescentou Paulo Rangel, que apelidou o documento de “relatório do facilitismo”. O primeiro-ministro reiterou ainda que "o Governo não levou ninguém ao engano" sobre autoria do estudo e atribuiu as críticas ao "desespero do PSD”.O primeiro-ministro insistiu que o problema do PSD é não suportar e estar contra o sucesso do país “por ciúme e inveja”. E acrescentou: “Sempre desconfiei dos fariseus que andam sempre com a verdade na boca e na primeira oportunidade não receiam recorrer à mais vil mentira”.Contactado pela Lusa, o PS afirmou não querer dizer "mais nada" sobre o assunto, acrescentando que "tudo o que tinha de ser esclarecido já foi esclarecido hoje no Parlamento".

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O Ministro "Controleiro"...



O Ministro "Controleiro" foi hoje ao Parlamento para controlar o voto do deputados socialistas na votação da proposta do CDS-PP sobre a Educação. Depois foi fazer queixinhas ao Pinócrates que se mostrou muito indignado com a proposta do PP. Tenho um desejo que vou formular perante vós:
Gostaria que nas legislativas deste ano o PS (e esta cambada que está no Governo) saíssem do "poleiro" com a mesma velocidade a que desliza o TGV sobre os carris, aí sim, apoiaria o TGV.
Post Scriptum - Não sou professor, e votei no PS nas últimas legislativas (por manifesta falta de opção)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Crónica de Santana Castilho no Público (Uma rotina insustentável)

Uma rotina insustentável
Santana Castilho
A ministra da Educação e os secretários de Estado são puros obstáculos ao trabalho nas escolas
1. A forte adesão à greve da passada segunda-feira e a suspensão da aplicação do modelo de avaliação do desempenho decidida pelo governo PS dos Açores foram mais dois revezes significativos para a teimosia de Maria de Lurdes Rodrigues. Desde ontem que os professores avaliadores estão a coberto de nova greve e a questão volta ao Parlamento na próxima sexta-feira. A não ser que aí se opere um volte-face, o conflito entre os professores e o Ministério da Educação ameaça entrar numa rotina insustentável. De um lado, a ministra da Educação e os secretários de Estado são puros obstáculos ao trabalho nas escolas. Enquistaram na defesa do indefensável e procuram aguentar-se sem ética nem decoro. Do outro, os professores, cuja cedência seria o golpe de misericórdia no que lhes resta de dignidade, persistem em formas de contestação desgastantes, cuja eficácia não se afirma. O clima que resulta deste estado de coisas não favorece o ensino. E o ano lectivo já vai a meio.

2. A dialéctica dos presidentes dos conselhos executivos que se reuniram em Santarém é, neste quadro e no mínimo, curiosa. Disseram eles que a solução do problema (suspensão do modelo de avaliação do desempenho) estava agora na mão dos professores, que não deveriam entregar os objectivos individuais. Eles, presidentes, estavam por lei obrigados a afixar prazos para essa entrega e tinham de os cumprir. Não consigo perceber esta lógica. Então uns, os índios, devem desafiar os normativos e arriscar-se a não os cumprir. E outros, os chefes, nem sequer equacionam dizer "não" ao feiticeiro? E tendo admitido a hipótese de se demitirem em bloco, logo concluíram que não senhor, que isso seria servir o poder? Prefiro chefes que dêem o exemplo. E penso que a demissão dos cargos de execução de políticas com que não se concorda é um belo exemplo de várias iniciativas verticais, que já teriam conduzido muitos à horizontalidade dos defuntos.

3. Li as proclamações do primeiro subscritor da Moção Política de Orientação Nacional ao XVI Congresso do Partido Socialista. No que toca à Educação é um exercício de puro estardalhaço sobre o que tem conduzido as escolas ao caos e deixa sem tocar o que produz resultados: mais conhecimento à saída do sistema. Sendo aquilo, obviamente, o embrião do próximo programa eleitoral, dei por mim a pensar em cinco medidas que fariam a diferença, a saber: uma intervenção radical em matéria de planos de estudo e correspondentes programas, redesenhando tudo o que hoje é um vazadouro de modas pedagógicas sem nexo e de problemas sociais que não pertencem às escolas; uma intervenção de verdadeira ruptura com o modelo de formação de professores, cuja exigência é inaceitavelmente pobre no plano científico, cultural e didáctico; uma intervenção de corte com a tradicional estrutura orgânica da Educação, dando verdadeira autonomia às escolas, trazendo para a sua gestão os melhores e reservando estritamente para o Ministério da Educação a estratégia nacional, a supervisão e o controlo da qualidade; uma intervenção criando um serviço nacional de testes e registos educacionais, que sustentasse racionalmente as tomadas de decisão e subtraísse o futuro dos estudantes ao simples capricho, não fundamentado, dos políticos; uma ruptura total com o paradigma lúdico da escola e consequentes intervenções: devolução da autoridade aos professores, redesenho dos estatutos dos alunos e dos docentes e redefinição dos conceitos de escola inclusiva e a tempo inteiro. Professor do ensino superior

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Educação - Greve dos Professores

Subscrevo quase na íntegra as opiniões manifestadas pela escritora, mas como ela mesmo diz "só" vai à escola como convitada
Entrevista a Alice Vieira
“Aconteceu uma coisa terrível na Educação: tudo tem de ser divertido, nada pode dar trabalho”
19.01.2009 - Bárbara Wong

É por causa dos seus livros que Alice Vieira é convidada para ir às escolas. Há 30 anos, falava de “Rosa, minha irmã Rosa” aos alunos dos 3.º e 4.º anos, hoje fala sobre o mesmo livro aos estudantes dos 7.º e 8.º. “Alguma coisa está mal”A escritora Alice Vieira começa por dizer que de educação percebe pouco. “Nunca fui professora na minha vida!”, justifica. Mas há três décadas que anda pelas escolas e observa o que se passa no mundo da educação. O retrato que faz, reconhece ser “assustador”: professores com fraca formação, alunos que não compreendem o que aprendem. Defende mais disciplina e mais autoridade para a escola. Quanto à luta dos docentes confessa, bem disposta: “Saúde e Educação seriam os ministérios que nunca aceitaria!”. Teme que se a contestação continuar o ano lectivo possa estar perdido.Esta é a segunda greve de professores, este ano lectivo.
Em que é que estas acções influenciam a qualidade da escola pública?Os professores têm um calão muito próprio e gostava que um professor e a senhora ministra da Educação se sentassem e me explicassem o que é que é a avaliação? O que é que os professores têm que fazer? Para eu perceber! Os professores dizem que têm muitas fichas para preencher. Que tipo de fichas? O que é que a ministra quer fazer com aquilo?Sente que a opinião pública tem as mesmas dificuldades em compreender o que se passa?A maior parte não compreende e os professores queixam-se disso mesmo. Eu não quero acreditar que o que se passa é como aquela anedota, em que “todos vão com o passo errado e só o meu filho é que vai no passo certo”. O descontentamento é geral e quando 140 mil professores vêm para a rua, é óbvio que devem ter razão, mas não têm toda. A ideia que tenho, desde o princípio é de que a ministra tem razão em querer que os professores sejam avaliados, mas ela não sabe transmitir o que quer.
Isso reflecte-se no modo como as negociações têm sido conduzidas?
Sim, é visível nos vai-e-vem. Agora avalia-se assim e depois já é de outra maneira... As pessoas não sabem muito bem o que é ou não é. A ideia que passa é que os professores não querem trabalhar, que não querem ser avaliados e é fácil veicular essa ideia porque os professores são um grupo complicado. Porquê?Porque chegam a uma certa altura da carreira, têm os seus direitos adquiridos e é mais difícil aceitar outras coisas. Chega-se a uma altura em que as pessoas estão cansadas.
Sente isso nas escolas aonde vai?A primeira coisa que ouço dizer é: “Estou cansada”, “vou-me reformar”, “estou farta disto”, “não me pagam para isto”... É só o que eu ouço.
Mas sempre ouviu esses lamentos ou agudizaram-se nos últimos anos?
Há 30 anos que vou às escolas e ouço-o agora. As leis são iguais para todos, mas há escolas onde dá gosto ver o trabalho que os professores fazem, que estão motivados e a ministra é a mesma! Não é a totalidade das escolas, mas sobretudo nas mais afastadas, nas do interior, encontro gente motivada e a fazer bons trabalhos. Essas escolas nem vêm no ranking das melhores. Também vou a privadas, ligadas à Igreja Católica, às vezes converso com professoras minhas amigas e conto-lhes: “Os alunos entram em fila, ou levantam-se quando eu entro, não fazem barulho...”. E respondem-me: “Está bem, mas isso é nessas escolas”. E eu pergunto: “Mas se está bem para essas escolas, porque é que não está para as outras?!”
A escola pública está a perder qualidade?
Há um desinteresse, um cansaço e depois há o problema da formação. Eu não quero generalizar, mas esta gente mais nova...
Qual é a preparação que tem?
Converso com professores e é um susto, desde a língua portuguesa tratada de uma maneira desgraçada, até ao desconhecimento de autores que deviam ter a obrigação de conhecer... Sabem muito bem o eduquês, mas passar além disso, é difícil. Muitos professores com que lido têm uma formação muito, muito, muito deficiente. Eles fazem com cada erro, que eu fico doida! E não só falam mal como se queixam diante dos miúdos. Podem dizer mal entre eles, mas não diante dos alunos, que depois reproduzem e a balda vai ser completa. A responsabilização dos professores é fraca, eles não são muito seguros e os alunos sentem que os professores não são seguros.
E por isso há atitudes de indisciplina e de violência?
Por exemplo, as manifestações dos miúdos também me perturbam um bocadinho, porque eles não sabem o que andam ali a fazer. Os miúdos devem aprender a falar bem, para saber reclamar, reivindicar, é uma questão de educação.
Mas nesse caso a culpa não é da escola, pois não?
Também é. Os professores queixam-se muito que têm de ser pai, mãe, assistente social, educadores... Pois têm! Porque a vida dos miúdos é na escola. Em casa não lhes dão as mínimas noções de educação, o simples “obrigada, se faz favor, desculpe”.
Quando os alunos vêem os professores na rua, a berrar e a gritar, o que é que eles pensam? Os alunos manifestam-se para exigir melhor ensino?
Não. Não os vejo preocupados porque os professores os ensinam mal.
Com alunos e professores na rua, o ano lectivo está perdido?
Não me parece que esteja perdido, se houver bom senso. Não se pode estar a brincar. As pessoas não entendem muito bem que o maior investimento que podem fazer é na educação. Se não tivermos gente educada, a saber, capaz, o que é que vai ser de nós?
Estamos a fazer uma geração que não se interessa, não sabe nada, mas berra e grita. E isso perturba-me.
Volto a perguntar, a educação está a perder qualidade?
Eu comecei a ir às escolas há 30 anos, para apresentar o meu primeiro livro “Rosa, minha irmã Rosa” e ía falar com os alunos de 3.º e 4.º anos. Agora vou, exactamente com o mesmo livro falar a alunos dos 7.º e 8.º anos. Alguma coisa está mal. É assustador! Outra coisa assustadora é a utilização da Internet.
Não concorda com o acesso dos mais novos às novas tecnologias?
Estamos a queimar etapas, a atirar computadores para os colos dos miúdos quando não sabem ler nem escrever. Só devia chegar quando tivessem o domínio da língua e da escrita.
E os mais velhos?
Os mais velhos, não sabem utilizar a Internet, não sabem pesquisar, eles clicam, copiam e assinam por baixo. Eu chego a uma escola, vou ver e fizeram 50 trabalhos sobre um livro meu, todos iguais, com os mesmos erros e tudo, porque descarregam da Internet. Pergunto aos professores e respondem-me: “Mas eles tiveram tanto trabalho a procurar...” O professor tem que ensinar a pesquisar. Às vezes, estou a falar com os alunos e tenho a sensação nítida de que não estão a perceber nada do que eu estou a dizer.
Essa sensação é generalizada?
No geral, as crianças têm muitas, muitas dificuldades. E os professores, logo à partida, têm medo que os alunos se cansem e nem tentam! “O quê? Dar isso? Eles não gostam, cansam-se”. Há um medo de cansar os meninos. Desde 1974 que os alunos têm sido muito cobaias da educação. E os professores e os alunos não sabem muito bem o que é que andam a fazer... Aconteceu uma coisa terrível é que tudo tem que ser divertido. Há duas palavras que me põem fora de mim: moderno e lúdico! Tudo tem que ser lúdico, tem de ser divertido, nada pode dar trabalho. Não pode ser!
É preciso mudar a mensagem?
Quando vou às escolas esforço-me imenso por transmitir aos alunos que as coisas dão trabalho. E eles olham para mim como se fosse uma coisa terrível. Há muitas maneiras de se abordar as coisas, mas se os próprios professores passam a mensagem de não querer ter trabalho... Quando vou ao estrangeiro, vejo os professores e penso “se fosse em Portugal, não era assim”. Eles fazem o que for preciso fazer. Cá dizem que não é da sua competência... Isso é complicado.
Disse que as escolas do interior são diferentes das de Lisboa. Essas diferenças não se devem aos públicos que cada escola acolhe?
Sim, os miúdos de Lisboa têm mais solicitações, ao passo que para os de Trás-os-Montes, a ida de um escritor à escola é uma festa! Em Lisboa já não há lisboetas, há miúdos de todas as terras, de todos os países...
E porque é que os miúdos da Europa de Leste se destacam nas escolas?
Porque vêm de culturas de trabalho e, desde cedo, ouvem dizer que têm que trabalhar. Com a democracia, as portas abriram-se, a escola deixou de ser de elite e estão todos na escola. Ainda bem! Mas os professores não estavam preparados para isso e admito que é difícil.
Falta-lhes formação?
Eu gostava de saber onde é que os professores são formados! Mas tendo alunos tão diferentes é necessário fazer formação. Porque, coitados dos professores, são deitados às feras!
Como se chega aos alunos?
Muitas vezes, olho para eles e vejo que não estão a ouvir nada. E eu apanho o melhor da escola, a parte boa, não tenho um programa para dar. Agora, quem está todos os dias na escola, compreendo que seja um stress terrível. A educação é daquelas matérias em que, se calhar, são precisas medidas impopulares, mas necessárias. Na educação nunca se fez um salto, que é necessário, nunca houve um ministro de quem se diga “fez”.
É precisa mais disciplina?
É preciso mais autoridade, o professor não pode fazer nada, não tem autoridade nenhuma. A solução passa por mais interesse e mais disciplina. O gosto pelo que se faz. E o professor tem que sentir esse gosto e passar aos miúdos. A profissão é de risco, de missionário e não de funcionário público na acepção perjurativa da palavra.
Não é uma profissão como as outras e não é seguramente a de preencher impressos...Como é exigido na avaliação?
Voltamos à avaliação! Ela é necessária, todos nós devemos ser avaliados, mas não pelo parceiro do lado ou pelo filho do patrão! Não faço ideia de como é que se avalia, mas na educação existe gente competente, que estudou, e devia ser chamada para dizer como avaliar. Não concordo que sejam avaliados entre eles. Não se pode ser irredutível, quer dum lado [professores] quer do outro [ministério]. As manifestações, no momento a que se chegou, não levam a nada, já vimos que agita, mas não levam a nada.
Parece-lhe que o conflito entre ministério e professores não tem fim à vista?
Os professores estão cansados, o que também é mau, porque aceitar uma situação só porque já se está cansado não é bom. Tem de haver uma solução, senão o ano lectivo perde-se e o culpado não será só um.
“Tem de haver regras em casa, como na escola” Para a escritora Alice Vieira, os pais antes de se envolverem na vida da escola, devem assumir o seu papel como primeiros educadores.
Os pais têm de ser mais envolvidos na vida da escola?
Sim, mas não podem delegar tudo na escola. A questão da violência é um reflexo do que os miúdos trazem de casa. Os pais têm que se envolver mais não apenas para saber as notas do filho ou se o professor falta. A casa é a primeira escola da criança e se em casa não recebe o mínimo de condições, não sabe como estar com os outros, chega à escola e é o que se assiste. Às vezes parece que os pais de agora têm medo de actuar, de falar com os miúdos. Tem de haver limites e os miúdos precisam e querem que esses sejam estabelecidos. Tem de haver regras em casa, como na escola.
Os pais compreendem a contestação dos professores?
Quando há uma greve, os pais pensam: “Que chatice e agora onde é que deixo as crianças?” Há muitos pais que compreendem. Agora outras camadas... Quando os professores se queixam que estão mais horas nas escolas, as pessoas pensam que eles não querem trabalhar. Mas também penso que já perceberam que os professores têm muitas razões.
As manifestações e greves podem levar os pais a transferir os filhos para a escola privada?Antes, a escola pública era melhor. Se calhar, agora já não é por causa destas convulsões e porque os professores bons se vão reformando. Compreendo que os pais se preocupem e optem por uma privada ou por mandar os filhos para fora.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Brincar é preciso...

Brincar na rua, sem adultos a tomar conta, é uma coisa que a maioria das crianças portuguesas desconhece. Um espantoso sinal dos tempos, relatado por investigadores: para estes miúdos "enclausurados" pelo medo crescente dos pais e a presença das novas tecnologias, o recreio escolar será o único local que resta para brincar livremente.
Os pais estão cada vez mais a inventar a infância dos filhos e o modo como o fazem poderá estar já a deturpar o seu desenvolvimento. Serão menos de 15 em cada 100 as crianças portuguesas que continuam a poder brincar na rua sem a supervisão de adultos e menos de 30 por cento as que se deslocam para a escola sozinhas ou apenas acompanhadas por amigos, adianta Carlos Neto, professor da Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa, com base em inquéritos e estudos que tem vindo a desenvolver, tanto no âmbito do mestrado em Desenvolvimento da Criança, de que é coordenador, como em parceria com universidades e outras instituições.Também por observação directa Carlos Neto fala de um progressivo "analfabetismo motor" que está a tomar conta desta geração criada entre quatro paredes. As crianças mexem-se cada vez menos e cada vez pior. Por exemplo, começam a correr e chocam com as cabeças uns dos outros. "O afinamento perceptivo está em decadência", constata.Para esta "falta" de rua contribuem vários fenómenos cruzados. Entre eles: os pais estão com mais medo, as cidades têm mais carros e menos espaços livres, há mais oferta de actividades dentro de casa (computador, televisão, vídeo), as crianças têm menos tempo livre.O tempo que pertence por direito às crianças, para fazerem o que lhes apetece, está a ser roubado pelos adultos e os miúdos estão a ser transformados em "crianças de agenda", num corrupio entre a escola, onde passam o dia inteiro, e as actividades fora dela, alerta Carlos Neto.Alberto Nídio, sociólogo da infância, descreve assim o que acontece no resto do tempo destas crianças: "Depois chega a noite e têm que fazer os deveres. Aos sábados, têm escuteiros, catequese, piscina. E aos domingos ainda têm que sair com os pais." "Um inferno"Nídio está agora a redigir a sua tese de doutoramento - Trajectos intergeracionais do jogo, do brinquedo e da brincadeira -, que tem por base entrevistas a 10 famílias, com quatro gerações vivas (os seus entrevistados oscilam entre os seis e os 98 anos), residentes em diferentes meios (urbano, rural e intermédio) e de classes sociais distintas.Numa das casas, a mãe queixou-se por a filha já não querer acompanhá-la nos passeios de domingo. A miúda explicou-lhe porquê, resumindo o que vai na alma de muitas outras crianças: "É uma seca. Vai visitar a avó ou a tia. Fica lá a falar. Durante a semana, faço o que outros querem, mas ao domingo queria fazer o que me apetecesse". Alberto Nídio e Carlos Neto não poupam palavras duras para descrever este quotidiano: "Um inferno". "A identidade da infância não é compatível com a ideia de um intelecto activo num corpo passivo", adverte o professor da Faculdade de Motricidade Humana (FMH). As crianças precisam de brincadeiras espontâneas, de ter tempo para explorar, de contacto com a natureza, de dispêndio de energia, de aventura. "Todos os animais que têm uma infância prolongada (como é o caso da vida humana, têm necessidade de investir muito tempo e jogo durante esse tempo como uma ferramenta de aprendizagem e adaptação para situações inesperadas e imprevisíveis de natureza motora, social e emocional na vida adulta", explica Carlos Neto, que frisa: "Brincar é treinar para o inesperado". Durante muito tempo, a rua foi o espaço de eleição da infância. Hoje, esse é... o recreio da escola. "É o único local que resta às crianças para brincarem livremente", diz o professor da FMH. Um lugar onde estão por elas, entre elas, sem adultos a preencher-lhes o tempo. Este espantoso sinal dos tempos é também apontado por Alberto Nídio, que está, aliás, a colaborar com a Câmara do Porto num projecto destinado a adaptar melhor os recreios escolares a esta função central que agora desempenham."Dar-lhes na cabeça"Para o sociólogo, que foi professor primário durante mais de 30 anos em Vila Verde (distrito de Braga), a própria escola vai ter de mudar para responder ao tempo crescente que ocupa na vida das crianças. Em média, recorda, as crianças passam ali mais 10 horas semanais do que há três anos, quando foram implementadas as chamadas "actividades de enriquecimento curricular" e alargado o horário das escolas do 1.º ciclo do ensino básico: "Estão sufocadas. Há crianças que estão nas escolas antes da oito horas da manhã e saem depois das 18, em actividades que, apesar de mudarem de nome, são mais do mesmo: ensinar", descreve, chamando a atenção para esta características dos tempos correntes. Todos os adultos ali, sejam professores ou monitores em ATL e actividades desportivas, aparecem com um projecto para cumprir. "De um modo ou de outro, as crianças acabam sempre por estar com alguém a dar-lhes na cabeça."Carlos Neto aponta também o dedo: "O aumento da carga curricular e a total formalização escolar não é compatível com as necessidades de desenvolvimento de crianças e jovens, que necessitam de tempo informal para a promoção de um estilo de vida mais activo". O investigador tem dúvidas, por exemplo, acerca dos efeitos benéficos das aulas de substituição. "Na perspectiva das crianças, a falta do professor representava um ritual fundamental para se gostar de estar na escola. Era um momento para a actividade livre no recreio, actividades físicas e desportivas e convivência com os amigos." Neto frisa, por outro lado, que as mais das vezes as novas aulas de substituição têm pouca ou nenhuma mais-valia: são preenchidas "com actividades incoerentes e não coincidentes com o projecto de ensino de cada disciplina".Ao contrário das vivências experimentadas pelas gerações antes delas, a maioria dos miúdos de hoje desconhece, em absoluto, a explosão de energia que acontecia nas ruas no final de cada dia passado em aulas. Um estudo sobre níveis de bem-estar das crianças da Área Metropolitana de Lisboa (AML), realizado pelo Instituto Superior de Economia e Gestão, o Instituto de Apoio à Criança e a Faculdade de Motricidade Humana, em que foram inquiridas cinco mil crianças, mostra que quase 85 por cento não podem brincar com amigos depois do anoitecer, revela Carlos Neto. Os pais têm cada vez mais medo e mais medos. Têm medo que os filhos se magoem, que sejam roubados, que sejam atropelados, que sejam violados, que sejam raptados. Neto e Nídio falam mesmo de "paranóia" e sublinham as responsabilidades da comunicação social neste processo, que tende a agravar-se. Também para efeitos de cultura familiar "o caso Maddie foi uma tragédia", alerta o professor da FMH.Inês Lobão, psicóloga, monitora na mediateca do centro social da Musgueira, Lisboa, regressou há sete meses aos arredores da capital, depois de quatro anos numa aldeia do Centro do país, onde nasceu o seu filho mais novo. O mais velho foi para lá ainda quase bebé. Cresceram de porta aberta para o quintal. Hoje, no prédio onde vivem, em Queluz, descem por vezes à frente da mãe: "Os meus vizinhos ficam em pânico se os vêem lá em baixo a brincar sozinhos"."Um tesouro"Nisto do que fazer com os filhos, as novas tecnologias, e, antes delas, já a televisão, são amigas dos pais: estão a transformar a casa - e, nela, o quarto - no centro do mundo dos filhos. "O quarto dá-lhes tudo. Têm lá a televisão, o computador, a consola", refere Nídio. Mesmo nas casas mais humildes, os miúdos têm isto tudo, constata. Em média, as crianças portuguesas passam mais de três horas por dia à frente de ecrãs. Alberto Nídio chama-lhes "nativos digitais", em contraposição com a "maioria de info-excluídos" que compõem as gerações dos seus pais e avós. Diz que este contraponto poderá estar a contribuir para a sobrevalorização da criança nos tempos de hoje: "Os pais olham para elas e acham-nas importantes. São depositadas muitas expectativas nelas". "É um tesouro que está ali", disse-lhe um bisavô de 92 anos sobre o neto de oito. Este modo de encarar as crianças poderá também ajudar a explicar o medo crescente que tem tomado conta dos adultos. E que está a condenar os mais novos. Nos inquéritos que tem feito, Nídio constatou, por exemplo, que mesmo aqueles para quem o quarto é tudo, se tivessem oportunidade, se os deixassem, o que queriam era ir brincar lá para fora. Menos rua em países do SulAo contrário do que poderia parecer óbvio, até por causa do clima, é nos países do Sul da Europa que as crianças passam mais tempo em interiores. A diferença é abissal: nos países nórdicos, quase todas as crianças (99 por cento) vão para a escola sozinhas ou com amigos e podem brincar na rua com autonomia, adianta Neto, com base em dados constantes de um estudo comparativo sobre a mobilidade das crianças europeias, publicado em 2001. Uma sondagem conduzida anualmente pela Duracell em nove países europeus, Portugal incluído, dá conta de que, na Alemanha ou na Holanda, as actividades no exterior encontram-se no topo das preferências, com percentagens (33 e 30 por cento) que praticamente triplicam as contabilizadas junto das crianças portuguesas (11 por cento). Mas não são só as diferenças Norte-Sul a ditar variações. Brincar ou não na rua depende ainda também da classe social de pertença e do meio envolvente. As crianças e jovens realojados na Musgueira que diariamente frequentam a mediateca onde Inês Lobão trabalha terão, pelo contrário, "rua a mais", constata a psicóloga. A "cultura de rua" é ainda muito forte em quase todos os bairros de realojamento e também nos bairros mais populares, em forte contraste com o deserto silencioso em que se transformaram as zonas residenciais da classe média. Inês Lobão diz que os "seus" jovens se habituaram a estar na rua desde pequenos, que esta cultura é passada de irmão para irmão. Muitos deles vêm de famílias com oito e 10 filhos. É outra diferença: os filhos únicos estão mais "enclausurados" do que os outros.Na Primavera passada, Alberto Nídio confirmou que se pode mudar de mundo em apenas um quilómetro. Nas entrevistas que realizou, deparou-se, nas quatro gerações, com uma referência comum ao lugar da catequese como local de brincadeiras. Foi ver o que se passava. Constatou primeiro que, "no meio urbano, o tempo que antecede e procede a catequese já não é de brincadeira". "As crianças são transportadas de automóvel, geralmente pelas mães. Não são sequer deixadas no adro, mas levadas à porta, para [os adultos] terem a certeza de que as entregam ao catequista: cerca de cinco minutos antes do fim da catequese, que demora à volta de uma hora, já estão outra vez à porta para pegarem nas crianças e desaparecerem dali." Mas a mil metros de Vila Verde, num contexto que Alberto Nídio descreve como "intermédio", já não totalmente urbano mas ainda sem ser rural profundo, "a esmagadora maioria das crianças vai sem adultos para a catequese, numa brincadeira pegada que se estende ao adro do templo e às ruas em volta".Parques infantis iguaisPara repor as crianças em acção não é só preciso que os pais mudem, é também necessário mudar as cidades e o que se decide sobre elas. O automóvel invadiu todos os espaços. Por se ter privilegiado sempre mais construção, as zonas livres são cada vez menos; e aquelas que foram "concebidas" para as crianças sofrem de um mal de raiz. "A maior parte dos espaços de recreio e jogo para crianças resulta de critérios ligados ao 'negócio' empresarial e político. Um bom exemplo disso são os parques infantis completamente padronizados, iguais em todo o lado, sem interesse nenhum para as crianças", denuncia Carlos Neto.Uma entre outras lacunas, diz: "Está ainda por criar em Portugal o conceito de espaço aventura", em que os mais novos são intervenientes no processo de construção e se privilegia o contacto com a natureza."Hoje, a vida na cidade é desesperadamente adulta e racional", lamenta o professor da Faculdade de Motricidade Humana. Em Londres, Nova Iorque, em vários pontos da Alemanha, entre outros lugares, estão em curso projectos com o objectivo de tornar as cidades mais amigas das crianças, promover a mobilidade (em Londres, os transportes públicos são gratuitos para menores de 16 anos) e assim ajudar também a combater uma das grandes ameaças do século, a obesidade. Calcula-se que, nas sociedades desenvolvidas, 40 a 45 por cento das crianças e adolescentes sejam sedentárias ou insuficientemente activas, adianta Carlos Neto. Provavelmente, irão dar corpo a uma geração de obesos (em Portugal, cerca de 14 por cento das crianças já o serão). Mas não é só o corpo, é também a alma que se encontra ameaçada. Neto di-lo de outro modo e deixa o recado: "É absolutamente importante que as crianças tenham uma infância feliz, não uma infância inventada pelos adultos".

Para os pais pensarem e mudarem ...

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terça-feira, 11 de novembro de 2008

EDUCAÇÃO, DO BÁSICO AO SUPERIOR

Editorial de Manuel Alegre na revista «Ops!»...
O lançamento do número 2 da revista ops!, dedicado à educação, ocorre depois de factos que não podem deixar de ser salientados: a eleição de Obama, que foi uma reafirmação da vitalidade da democracia americana, e que constitui em si mesma uma grande esperança para os Estados Unidos e o mundo; a manifestação que reuniu em Lisboa mais de cem mil professores em protesto contra o sistema de avaliação imposto pelo ministério; o alerta de 15 antigos reitores em carta enviado ao Presidente da República e ao Primeiro Ministro na qual alertam para o risco de ruptura financeira nas Universidades. E a resposta do ministro do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), de que nas universidades há maus gestores.Se a eleição de Obama é um facto de mudança, devemos ter consciência de que, num país como o nosso, o que faz mudar é a formação das pessoas, a educação, a cultura, a comunicação, a produção e divulgação científica, a inovação tecnológica e social. Tal não é viável num clima de tensão permanente entre o Ministério da Educação e os Professores, nem num ambiente de incompreensão entre o MCTES e as universidades. Confesso que me chocou profundamente a inflexibilidade da Ministra e o modo como se referiu à manifestação, por ela considerada como forma de intimidação ou chantagem, numa linguagem imprópria de um titular da pasta da educação e incompatível com uma cultura democrática. Confesso ainda que, tendo nascido em 1936 e tendo passado a vida lutar pela liberdade de expressão e contra o medo, estou farto de pulsões e tiques autoritários, assim como de aqueles que não têm dúvidas, nunca se enganam, e pensam que podem tudo contra todos.O Governo redefiniu a reforma da educação como uma prioridade estratégica. Mas como reformar a educação, sem ou contra os professores? Em meu entender, não é possível passar do laxismo anterior a um excesso de burocracia conjugada com facilitismo. Governar para as estatísticas não é reformar. A falta da exigência da Escola Pública põe em causa a igualdade de oportunidades. Por outro lado, tudo se discute menos o essencial: os programas e os conteúdos do ensino. A Escola Pública e as Universidades têm de formar cidadãos e não apenas quadros para as necessidades empresariais. No momento em que começa a assistir-se no mundo a uma mudança de paradigma, esta é a questão essencial. É preciso apostar na qualificação como um recurso estratégico na economia do conhecimento, através da aquisição de níveis de preparação e competências alargados e diversificados. Não é possível avançar na democratização e na qualificação do sistema escolar se não se valorizar a Escola Pública, o enraizamento local de cada escola, a participação de todos os interessados na sua administração, a autonomia e responsabilidade de cada escola na aplicação do currículo nacional, a educação dos adultos, a autonomia das universidades e politécnicos.Não aceito a tentativa de secundarizar e diminuir o papel do Estado no desenvolvimento educacional do nosso país. Sou a favor da gestão democrática das escolas, com participação dos professores, dos estudantes, dos pais, das autarquias. Defendo um forte financiamento público e um razoável valor de propinas, no ensino superior, acompanhado de apoio social correctivo sempre que necessário. E sou a favor do aumento da escolaridade obrigatória para doze anos. Devem ser criadas condições universais de acesso à escolaridade obrigatória, nomeadamente através de transporte público gratuito e fornecimento de alimentação. O abandono escolar precoce deve ser combatido nas suas causas sociais, culturais e materiais.Não se pode reformar a educação tapando os ouvidos aos protestos e às críticas. É preciso saber ouvir e dialogar. É preciso perceber que, mesmo que se tenha uma parte da razão, não é possível ter a razão toda contra tudo e contra todos. Tal não é possível em Democracia.

Ilha das Cores


Provavelmente o melhor programa para crianças em exibição na televisão portuguesa desde a Rua Sésamo.

Eles estão todos enganados...


A Srª D. Maria de Lurdes é que é a dona da razão e os cerca de 100.000 professores que no passado sábado se manifestaram em Lisboa estão enganados. De facto estão enganados, estão enganados os muitos milhares de professores que acreditaram que o Partido Socialista podia mudar para melhor a politica educativa do nosso país. Não sou professor, mas tenho na minha família próxima quem seja e lamento que tenham tido a "triste" vocação de o serem porque nos tempos que correm é preciso ter muito estômago para se seguir essa carreira, senão vejamos:
1- Têm uma ministra que não apresenta uma ideia que se diga, esta (ideia) tem cabeça, tronco e membros!
2- Têm de passar os "meninos e meninas" mesmo que os mesmos (as) sejam os seres mais burros (sem ofensa para os burros) à face da terra!
3- Têm que "aguentar" com as críticas dos "paizinhos" que à muito se demitiram do seu papel de principais mentores da educação dos seus filhos e delegaram nos professores o "dever" de educar os verdadeiros energúmenos que vão passeando pelas salas de aula com telemóveis de última geração a gravar cenas de pancadaria entre alunos e professores!
4-Lamento, por fim, que as ideias já "velhas" sejam apresentadas como novidades pelo 1º Ministro, como aquela do ensino do inglês na primária, numa ilha não muito distante de Lisboa, essa mesmo, a Madeira o ensino do inglês e de informática já é obrigatório há cerca de 8 anos, repito, 8 anos.
Como diz Manuel Alegre hoje na "Ops" é lamentável o autismo da Ministra Lurdes, sem querer ofender a senhora aquela entrevista no sábado passado na tv do Estado revelou uma mulher sem "norte", perdida, e quase suplicando ao Sr. Engenheiro (licenciado num domingo) para a tirar deste filme de terror em que ela já sabe o fim... isto é, o se demite (pouco provável) ou não é reconduzida no cargo caso o Partido Socialista vença as próximas eleições com maioria absoluta (hipotese quase tão remota como Portugal não entrar em recessão no próximo ano).
Por último, quero manifestar o meu apoio aos professores portugueses pedindo-lhes que não desistam porque V.Exas são importantes na formação das minhas filhas e na formação dos filhos de milhares de portugueses que ainda vos respeitam e acreditam em vós.
Bem hajam!
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Ops!... Manuel Alegre dixit

No lançamento do 2º número da "Ops!" Revista de Opinião Socialista
Manuel Alegre lança críticas à política de educação do Governo

O deputado socialista Manuel Alegre lança hoje o segundo número da "Ops!", Revista de Opinião Socialista, ocasião em que deverá renovar algumas das suas críticas à política de educação do Governo.

Domingo, em declarações ao PÚBLICO, o ex-candidato presidencial comentou a manifestação de professores realizada na véspera e considerou que a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, revelou "pouca cultura democrática" ao referir-se à manifestação como "um acto de intimidação".

O vice-presidente da Assembleia da República mostrou-se "chocado" com a intervenção televisiva da ministra da Educação durante o protesto dos professores, criticando a sua inflexibilidade: "Temo que isso mine a confiança dos professores na própria profissão", afirmou Manuel Alegre, que sexta-feira passada, juntamente com mais quatro deputados socialistas, votou contra a proposta do Governo de revisão do Código de Trabalho.

No debate, dedicado ao tema da "Questão Educativa: do Básico ao Superior", são também oradores os professores António Nóvoa, Rosário Gama, Paulo Guinote e Nuno David.

No segundo número da revista "Ops!", que conta com um editorial de Manuel Alegre dedicado à educação, é publicada uma entrevista com o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, Seabra Santos, sobre as políticas do Governo para o Ensino Superior.

Escrevem ainda neste número diversos professores, investigadores, actores institucionais e deputados como Alberto Amaral, Elísio Estanque, Nuno David, Francisco Alegre Duarte, Almerindo Afonso, Jorge Martins, a ex-secretária de Estado da Educação Ana Benavente e Teresa Portugal.

Como alternativa à actual conduta do Governo no sector da educação, Manuel Alegre tem aconselhado a "ouvir a voz da rua", acrescentando que "se tantos [professores] estão na rua, terão as suas razões".

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A razão dos professores e o autismo da ministra...

Excelente editorial de José Manuel Fernandes no "Público"...

A razão dos professores e o autismo da ministra
José Manuel Fernandes
Seriamente ninguém pode ser contra a avaliação de desempenho como condição para a progressão profissional. Mas é intolerável que, dando sinais de crescente teimosia, tente impor um modelo que não funciona, está mal pensado e ainda pior concebido
Não houve muitas notícias na imprensa, na rádio ou na televisão. Até há poucos dias houve mesmo quem duvidasse que os professores realizassem uma nova manifestação. Ou vaticinava-se que esta, a realizar-se, não fosse mais do que um desses desfiles sindicais que o país se habituou a ver para os lados do Ministério da Educação. De repente...
De repente, os professores repetiram ontem um protesto que conseguiu ser maior do que o de Março. Os próprios sindicatos devem ter ficado surpreendidos. Mais: os sindicatos parecem, neste momento, ultrapassados pelos acontecimentos.
Na última semana o PÚBLICO foi recolhendo sinais de que a mobilização para o protesto podia ser enorme, e por isso escrevemos ontem, na capa, "Mobilização total". Hoje sentimos que se está para além desse ponto: a ruptura entre os professores e esta equipa ministerial é total. Uma ruptura como provavelmente nunca aconteceu e que é transversal: manifestaram-se professores de direita e professores de esquerda; recém-chegados à profissão e veteranos; sindicalizados e não sindicalizados; principiantes e professores titulares, professores avaliadores, presidentes de conselhos directivos.
Não é possível explicar esta mobilização recorrendo a argumentos como "os professores não querem ser avaliados", "é tudo obra dos sindicatos" ou "não passa de uma reacção corporativa". Mesmo que isso tenha vindo a ser repetido por ministros, secretários de Estado e porta-vozes, a verdade é que o número de professores que se mobilizou, o número de professores que pediu a reforma antecipada com prejuízo financeiro, as notícias que chegam de todo o país de que o processo está a descarrilar, seriam suficientes para que qualquer esquipa ministerial tivesse, ao menos, a humildade de escutar, de tentar perceber por que motivo estão todos - e se não são todos, são quase todos - contra este processo de avaliação do desempenho.
No entanto, o que se está a passar era previsível. Antes da manifestação de Março escrevemos neste espaço que, depois de termos apoiado a ministra da Educação em muitas medidas impopulares, defendendo há muito a necessidade de avaliar o desempenho das escolas e dos professores, o processo que o ministério estava a montar era kafkiano e iria produzir os efeitos contrários aos desejados. Para chegar a essa conclusão não andámos a ler os comunicados dos sindicatos - tratámos antes de ler a legislação que estava a chegar às escolas. E o ponto central da crítica: imposta de cima para baixo, desrespeitando a autonomia e, sobretudo, a especificidade de cada escola.
Este tipo de visão napoleónica da escola começou a desmoronar-se rapidamente. Basta referir, por exemplo, que o famoso Conselho Científico para a Avaliação dos Professores já vai no seu segundo presidente (o primeiro demitiu-se, e não foi a única baixa registada) e, se acreditarmos no que ontem estava no seu site na Internet, teve a última reunião em Julho, isto é, há quatro meses. Nem entre os mais responsáveis pelo sistema este consegue suscitar confiança.
Mas o pior está a passar-se nas escolas, e nas escolas com os alunos e a qualidade de ensino. O ano lectivo passado, depois do protesto de Março que levou o ministério a suspender o processo, os professores regressaram às escolas e, melhor ou pior, fizeram o que estava ao seu alcance para estarem à altura das exigências da sua profissão.
Só que este ano lectivo a máquina burocrática do ministério regressou com as suas instruções, circulares e ameaças. Os resultados têm sido dramáticos não apenas para a vida dos professores, mas para o normal funcionamento das escolas. Sexta-feira a presidente do conselho directivo da escola pública que, regularmente, fica em primeiro lugar nos rankings disse, em entrevista ao PÚBLICO, como estas normas estão a destruir a sua escola. Ontem relatámos um dia na vida de uma professora avaliadora que trabalha numa escola difícil da Grande Lisboa. Se no ministério alguém lesse jornais, não teria tido de esperar pela manifestação de ontem para perceber até onde vai o mal-estar. Mas deve haver outras prioridades para os lados da 5 de Outubro.

Seriamente ninguém pode ser contra a avaliação de desempenho como condição para a progressão profissional. Mas é intolerável que, dando sinais de crescente teimosia, tente impor um modelo que não funciona, está mal pensado e ainda pior concebido.
E se alguém quisesse realmente avaliar o desempenho dos docentes e das escolas há muito que teria feito algumas coisas simples, todas elas eficazes para promover a qualidade das escolas. Uma delas seria fornecer indicadores sistemáticos e uniformes sobre a evolução dos alunos, o que exigiria provas nacionais realizadas com seriedade. Outra dar mais autonomia às escolas e criar mais mecanismos de interacção com as comunidades locais. Outra ainda ter aprovado um estatuto da carreira docente mais flexível e que permitisse às escolas fazerem ofertas de emprego diferenciadas aos docentes que quisessem motivar para os seus projectos educativos. E, por fim, permitir que as famílias tivessem mais liberdade na escolha das escolas públicas e também das privadas.
É possível que muitas dessas medidas tivessem também a oposição de muitos professores, mas dar-lhes-iam melhores oportunidades, tornariam o sistema mais transparente e responsabilizariam mais as famílias. Este sistema está a provocar o efeito contrário e, quando esta ministra passar, pois não é eterna, quem mais terá perdido serão os que menos meios têm para compensar o que as escolas públicas, cercadas e desmotivadas, cada vez lhes dão menos. A isto chama-se promover a injustiça social.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Estado da Nação...ou melhor, do Ministério da Educação

Opinião da jornalista Helena Matos no "Público" de hoje...
Até que a casa caia
Helena Matos
Entrou-se numa espécie de loucura pedagógica e as disciplinas onde se transmitem saberes foram perdendo importância.Os humoristas são regra geral umas almas soturnas. A graça, quando a têm, extingue-se-lhes mal acabam os espectáculos. E desistam aqueles que esperam que, no meio dum jantar de amigos, eles façam de animadores, pois habitualmente são os menos divertidos dos convivas. Para desconsolo geral, declaram que nem sabem contar anedotas e passam rapidamente aos assuntos que os interessam como a poesia, a política internacional ou o futebol. Mas sempre num registo de grande preocupação. Talvez por causa dessa apreensiva quando não angustiada forma de estar devamos a José Pedro Gomes, precisamente o da Conversa da Treta, uma das mais sérias chamadas de atenção para a situação do ensino em Portugal. Talvez pela obrigação do ofício lhe tenha parecido estranho ouvir o bastonário da Ordem dos Engenheiros declarar que "Apenas quatro politécnicos exigem Matemática como disciplina específica para acesso aos cursos [de Engenharia]. Os restantes alunos podem entrar com negativa, sem Matemática, porque não é exigido". Infelizmente, e ao contrário do que aparentemente parecia, o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Fernando Santo, não estava a contar anedotas. Estava, sim, a dar conta da degradação real do ensino em Portugal. E foi sobre isso que José Pedro Gomes escreveu num artigo de opinião para um jornal.Creio, contudo, que José Pedro Gomes teria sido mais bem sucedido se tivesse resolvido encenar anedotas sobre engenheiros que não estudam Matemática. Pelo menos toda a gente se ria do desconchavo e elogiavam a imaginação do artista. Naturalmente todos se achavam muito sagazes, pois os portugueses, como todos os povos que exercem mal os seus direitos, sempre gostaram de fazer de conta que a eles ninguém os engana nem censura porque interpretam melhor que ninguém as entrelinhas das anedotas. Assim, sem anedota, apenas com factos, nem se riram nem se preocuparam. Olharam para o lado. Um lado com bom ângulo que os poupe a ver aonde nos tem conduzido essa conversa da treta a que temos chamado reforma da educação, paixão pela educação, pedagogia do sucesso...Nos últimos anos, nos ensinos básicos e secundário, institucionalizou-se uma espécie de loucura pedagógica. As disciplinas onde se transmitem saberes foram perdendo importância. Se eram difíceis, tornavam-se fáceis ou dispensáveis, como agora se viu com a Matemática. Simultaneamente todos os dias se repetia (e repete!) que os conteúdos têm de ser apelativos, pois supostamente o ensino deve ser lúdico e os alunos devem aprender sem esforço. À conta desta política de promoção do sucesso, entra-se em Engenharia sem ter estudado Matemática e a disciplina de Química corre o risco de desaparecer no ensino secundário porque os alunos não a escolhem. Idem para o Latim e para a Filosofia. Adeus equações, declinações e pensamento racional. Estuda-se um bocadinho de Psicologia e o resultado é o mesmo. Uma vez na faculdade, logo se vê. E se os engenheiros ainda vão estudando Matemática durante o curso - embora não a suficiente, porque mais de metade dos licenciados pelos 316 cursos de Engenharia existentes em Portugal chumbam no exame que a Ordem dos Engenheiros exige para o exercício da profissão - no caso dos antigos cursos de Letras, transformados cada vez mais numa versão literária das antropologias e sociologias, corre-se o risco de ver desaparecer os departamentos de Estudos Clássicos.Noutras disciplinas, como a Física, baixou-se o nível de exigência nos exames nacionais de modo a que as estatísticas melhorassem. Mesmo nas línguas estrangeiras a opção pelo que se acha mais fácil pode levar a que se troque o francês pelo espanhol. A memorização tornou-se uma expressão maldita e arreigou-se a convicção de que o saber nasce das entranhas das crianças num fenómeno equivalente à intervenção do Espírito Santo que fez dos Apóstolos poliglotas. Os desaparecidos Trabalhos Manuais e Oficinais deram lugar às doutas tecnologias e áreas disto e daquilo, sendo que nestas disciplinas os alunos tanto podem levar o ano a fazer caixinhas de papel tipo pasteleiro, pintar cartazes para salvar a água, estudar, com detalhe, nas etiquetas da roupa a simbologia do torcer e lavar a seco, confeccionar bolos com pouco açúcar ou usar abundantemente as teclas "seleccionar-copiar-colar" da sala dos computadores. E para quê queimar as pestanas a estudar Química? Não existe, em alternativa, uma panóplia de disciplinas muito mais fáceis que, diz o "pedagoguês", desenvolvem "novas competências e dinâmicas de interactividade"? Quanto aos professores, sobretudo com o actual modelo de avaliação, é sem dúvida bem mais fácil e propiciador de sucesso na carreira ser "ensinante" de Área de Projecto, nas quais os alunos invariavelmente obtêm melhores resultados, do que meter mãos à tarefa de dar aulas de Física ou Matemática.A degradação do ensino não começou com este Governo. O que este Governo trouxe de novo foi a capacidade de transformar essa degradação, que os anteriores procuravam negar, num sinal de modernidade e progresso. Entrar em Engenharia sem ter feito exame a Matemática deixa de ser uma aberração e passa a "inovação". Os conteúdos não contam, o que conta é o embrulho tecnológico com que chegam às mãos dos alunos. O Ministério da Educação há muito que vive num universo de ficção. O que Maria de Lurdes Rodrigues conseguiu foi que assumíssemos que essa ficção é do domínio do grotesco e que já não nos indignemos com isso. Só o humorista, honra lhe seja feita, deu pelo sério da questão. E tratou de nos avisar que um dia a casa vem abaixo. a Existem universos que apenas são notícia quando algo de muito grave acontece. É o caso dos deficientes mentais e das prisões. Pela própria especificidade destes assuntos, a informação que é veiculada sobre eles raramente contraria a versão radiosa e oficiosa dos factos. Assegurar que tudo corre no melhor dos mundos possíveis é sempre a tentação de quem tem responsabilidades nessas áreas, tanto mais que é difícil ter acesso aos que são directamente visados pelas medidas aí tomadas.Comecemos pelas prisões - ou, mais precisamente, pelo sucedido nos centros de reintegração social para jovens. Nas últimas semanas registaram-se situações de confrontos com alguma gravidade num centro de Lisboa e noutro de Coimbra. Mas o mais grave não são tanto as situações em si mesmas, mas sobretudo as contradições existentes entre a versão dos factos transmitida pela Direcção-Geral da Reinserção Social (DGRS) e as declarações prestadas pelos funcionários agredidos e também pela PSP. Para a DGRS, não aconteceu nada de relevante. A PSP fala de jovens barricados e os funcionários referem agressões e o sequestro duma monitora. Não é preciso ter lido muito para saber que é assim que começam as histórias que acabam mal.Quanto aos deficientes mentais, o caso não é menos importante e o silêncio também não é menor. Pouco falada, mas, contudo, de implicações tremendas pela vulnerabilidade dos envolvidos, foi a decisão de colocar os alunos com deficiência mental, anteriormente integrados no Ensino Especial, nas escolas comuns. Em primeiro lugar, existe a enorme e angustiante dúvida sobre se essa é a melhor opção para todos os alunos que estavam no ensino especial. Muito provavelmente para muitos poderá ser excelente, mas noutros casos pode ser francamente desaconselhado. O Ministério da Educação pura e simplesmente resolveu fazer experimentalismo com os mais frágeis. A quem tinha dúvidas respondeu com superioridade iluminista sobre a superioridade moral dos desígnios igualitaristas. Mas mesmo nos casos em que esta integração se anuncia favorável, ela depende duma estrutura de apoio nas escolas. Depende de funcionários, de rotinas e de apoios humanos que frequentemente falham e em alguns casos estão a falhar, como relatava, no PÚBLICO do passado sábado, o pai duma criança com necessidades educativas especiais.
No entanto, a tutela mantém-se muda.Quer num caso, quer noutro, os responsáveis ou anunciam o melhor dos mundos possíveis ou fazem de conta que não viram nem ouviram.