quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A ética será republicana?

A ética será republicana?
Por Helena Matos

A república que somos será mais ética por ter entre os seus políticos quem não veja nela um atestado de impunidade


Esta é uma ideia cara aos nossos presidentes da República que, perante o calendário de feriados predominantemente religiosos, fazem questão, uma vez chegado o 5 de Outubro, de recordar ao país a importância da ética republicana. Cavaco Silva não foi excepção. Não duvido que os presidentes da República que temos tido defendam a ética da República, mas daí a dizer-se que existe a ética republicana vai um passo demasiado largo. E no caso português perigosamente largo. Em primeiro e mais óbvio lugar porque não é o facto de o regime ser republicano ou monárquico que o torna mais ou menos ético. Portugal é uma república e a Suécia e a Holanda monarquias, mas no que à ética da vida política e pública respeita temos muito a invejar aos súbditos de Carlos Gustavo e de Beatriz. Em segundo lugar esta associação entre a ética e a natureza republicana do regime envenenou-nos todo o século XX e ameaça-nos o XXI, pois incapazes que somos de dissociar a ética da República esquecemo-nos da primeira para não nos malquistarmos com a segunda. A nossa incapacidade de debatermos o regicídio, a noite sangrenta ou, no pós 25 de Abril de 1974, a descolonização resultam em grande parte desta atávica associação entre a natureza do regime e a ética da sua classe dirigente. Onde estava em Novembro de 1975 a ética dos militares e políticos portugueses que, como relata Leonor Figueiredo no seu livroFicheiros Secretos da Descolonização de Angola, deixaram para trás nas prisões e campos de concentração de Angola cidadãos portugueses que tinham sido raptados pelo MPLA?

Enquanto os factos menos nobres praticados na República, a corrupção e o falhanço da justiça, continuarem a ser vistos como notas de rodapé na exaltação mais ou menos folclórica da ética republicana, continuaremos reféns daquela divisão jacobina do mundo que envenenou a I República e que, de sinal contrário, se prolongou no Estado Novo, aí com a tentativa inversa de transformar em boa a ditadura com o argumentário da honestidade pessoal de quem a chefiava. A República que somos será mais ética não por ser república mas sim por ter entre os seus políticos e na sua administração quem não veja na condição republicana (tal como outrora o viram na condição monárquica ou em "ser da situação") um atestado de impunidade.Ensaísta
Todos os dias (mas mesmo todos) nas televisões nacionais somos brindados logo pela manhã com a descrição de mais uma doença. Um especialista da dita explica-lhe os sintomas. Inevitavelmente em seguida opivot de serviço confronta o clínico com a ignorância lusa sobre o que fazer para combater tão desatinado mal. Tivesse eu tempo e faria um quadro com aquilo que todos os dias, nos diversos canais, se recomenda para que se tenha uma vida saudável. Felizmente não tenho tempo, mas pasmo com a girândola contraditória de coisas que supostamente nos colocariam eternamente jovens e saudáveis. A avaliar por aquilo que ali é dito, os carteiros ou as Testemunhas de Jeová que fossem simultaneamente vegetarianos seriam as mais belas e saudáveis pessoas da Terra, pois não só andam vários quilómetros por dia como têm uma alimentação que, não sendo completamente saudável - nestes programas nunca nada é completamente saudável -, anda lá muito perto.

Dadas as recentes notícias sobre os malefícios dos vegetais e a sua falta de certificação por comparação com os queijos e os gelados, dentro de algum tempo lá estarão a mandar-nos comer empadão de queijo com gelado de atum com a mesma arreigada certeza com que agora nos mandam comer tarte de espinafres.

Mas convenhamos que o pior não é isto. Já é muito mauzinho quando, sobretudo perante as doenças oncológicas, invocam a vontade de viver do doente e a importância de não se deixar derrotar pela doença. É pasmoso que todo e qualquer esforço de segurança dos países se tenha de travestir de acção humanitária, mas a um pobre mortal que acontece ter cancro exige-se-lhe que qual comando combata a doença e não se deixe vencer, transformando-se assim qualquer nova metástase num sinal de derrota e não de doença. Mas o pior mesmo acontece quando as doenças versam os jovens, sobretudos os jovens que têm problemas. Inevitavelmente surge a pergunta sobre a culpa. E mais ou menos inevitavelmente ainda a pergunta sobre a culpa vai dar à mãe. Porque trabalha fora de casa. Porque não percebeu a tempo o problema do filho. Porque não soube actuar. Porque não disse as palavras certas. Porque disse as palavras certas poucas vezes. Porque não conseguiu dar um espaço ao jovem... Não há paciência! Este discurso da culpabilização das famílias e sobretudo das mães acabará algum dia, mas até lá inferniza a vida a muita gente, sobretudo àqueles e àquelas que procuram fazer o melhor possível.

Campanha autárquica em que os candidatos não falem extremosamente do comércio local não é certamente campanha autárquica. Provavelmente a única excepção a tal mandamento será a ilha do Corvo, mas mesmo assim é melhor não dar o benefício da dúvida. Estas passagens dos candidatos pelos estabelecimentos do dito comércio local e tradicional têm qualquer coisa de romagem de agravados: os comerciantes dizem que o comércio vai mal e os candidatos defendem mais apoios para que passe a ir menos mal. No ar e às vezes nos microfones ficam algumas acusações às grandes superfícies. Enfim, temos de reconhecer que nesta matéria todos mentimos um bocadinho: primeiro os comerciantes, porque, durante décadas, deram a clientela como garantida e devidamente almofadados pelas baixas rendas que pagam pelos seus estabelecimentos deixaram de se preocupar com a rentabilidade do negócio; depois os clientes que dizem que adoram fazer compras a pé no comércio local, mas que na verdade o único local onde se avistam carregados de sacos é no parque de estacionamento das grandes superfícies e por fim os candidatos, que o mais que sabem é exigir que o governo, qualquer que ele seja, dê mais apoios ao dito comércio, esquecendo que as autarquias complicam de forma muito assinalável a vida aos comerciantes. Por exemplo, o custo de licenciamento de uma obra pode ser, em algumas autarquias de Portugal, muito superior àquilo que a obra propriamente dita custa. (Existem até autarquias que anunciam aos potenciais interessados em fazer obras que praticam taxas de licenciamento mais elevadas que Lisboa, como se essa carestia correspondesse a um grau invejável de cosmopolitismo.) E não estou a falar da construção de um edifício, embora também aí os custos administrativos pesem cada vez mais nos orçamentos, tal como a Ordem dos Engenheiros tem denunciado. Basta, por exemplo, numa loja do tão amado comércio local querer transformar a área de atendimento ao público integrando-lhe uma parte que até esse momento fazia parte do armazém, para que, em muitos municípios, o dito comerciante rapidamente perceba que ou faz as obras clandestinamente ou desiste de as fazer, pois as taxas de licenciamento têm um custo exorbitante. Aliás, uma das coisas mais irritantes no discurso do amor ao comércio local são as referências às cidades europeias onde existem pequenas e simpáticas lojinhas porta sim, porta não. Em boa verdade esquecem-se tais improváveis amantes de dizer que não só em Portugal tais espaços não passariam no crivo da ASAE e doutras actividades de inspecção, como a facilidade e rapidez com que nessas paragens se transformam espaços de habitação em comércio e vice-versa pressupõem que tudo aquilo é licenciado a custos e em prazos muito diversos dos praticados em Portugal. Na verdade, não é uma questão de dar ou não dar, mas sim de não complicar. Por exemplo, acabando este texto a tarde e a más horas, já não tenho o supermercado de sempre aqui ao pé de casa, porque as exigências duma instalação eléctrica orçada em milhares de euros levou a que os interessados desistissem. E quanto a peixe é melhor ir também desistindo, porque a ASAE e a sua fixação no aço inox afugentaram aqueles que se dispunham a transformar uma antiga padaria numa peixaria.

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