quarta-feira, 29 de abril de 2009

E o resto do mundo coça a cabeça... Teresa de Sousa

E o resto do mundo coça a cabeça...
Teresa de Sousa

1. Hugo Chávez (ainda) foi saudado efusivamente à entrada do Centro Diplomático de Port of Spain, Trindade e Tobago, quando chegou para participar na cimeira das Américas. Foi a sua única oportunidade. Barack Obama tinha decidido entrar discretamente pela porta de trás. A maioria dos 33 chefes de Estado e de Governo do Hemisfério Ocidental haveria de ovacioná-lo de pé. O Presidente venezuelano não teve outro remédio senão ficar sentado e calado no seu lugar. Obama concedeu-lhe um caloroso aperto de mão que fez as manchetes e abriu os noticiários na América. Chávez ofereceu-lhe um livro sobre os malefícios do imperialismo americano. E porque não? Como escreveu Jorge Castañeda na última Newsweek, tudo o que Obama ofereceu aos países da América Latina foi um discurso a explicar qual era a sua nova visão (uma "parceria entre iguais", um "absoluto respeito pelos governos democraticamente eleitos" e o reconhecimento do óbvio: que, por vezes, os Estados Unidos tinham pretendido "impor os seus termos") e um sinal de abertura ao regime cubano. O suficiente para criar a ideia de que era possível um novo começo. A cimeira foi dele e não de Chávez. O antiamericanismo era um dos pilares fundamentais do regime populista de Caracas. Os conservadores americanos mais empedernidos indignaram--se. Castañeda também lembra que apenas Fidel Castro os acompanhou. Sentiu-se obrigado a vir a terreiro corrigir a disponibilidade do seu irmão Raul para corresponder à abertura de Washington e lembrar que Obama não era mais do que a nova face da velha América.
2. "Teerão está aterrorizada: a América está a ser amigável", escrevia recentemente Richard Beeston no Times. O editor internacional do jornal de Londres questionava-se sobre o efeito da nova política americana nas eleições presidenciais iranianas. A mão estendida do Presidente não fará mudar a natureza do regime dos ayatollah (nem é esse o seu primeiro objectivo, ao contrário da administração anterior), mas está a deixar Ahmadinejad nervoso. As eleições terão em confronto duas ideias diferentes sobre como responder a um Presidente que diz estar disposto a negociar directamente e que teve a extraordinária ousadia de ir a Praga anunciar que o seu objectivo era um mundo sem armas nucleares.O antiamericanismo também é um pilar fundamental do regime de Teerão. Os dois episódios servem para exemplificar até que ponto a revolução que Barack Obama iniciou em quase todas as frentes da política externa do seu país está, pelo menos, a obrigar o resto do mundo a repensar as suas próprias políticas. Desestabilizou os inimigos. Mas também desafiou os amigos.
3. Pouca gente terá dado a atenção devida a uma pequena frase de Obama no final da cimeira do G20, em Londres. "Se fossem apenas Roosevelt e Churchill reunidos numa sala com um brandy na mão, isto seria muito mais simples. Mas esse já não é o mundo em que vivemos. E isso não é necessariamente uma perda para a América." O que houve de extraordinário na cimeira do G20 teve pouco a ver com aquilo que parece interessar mais aos europeus: se Obama conseguiu o nível de estímulos à economia mundial que pretendia ou se a regularização dos mercados foi suficientemente longe. Foi a maneira como o novo Presidente disse à China, à Índia ou ao Brasil que está disposto a aceitar uma nova ordem mundial em que eles têm um lugar à mesa ao lado da América e para discutir com a América as novas regras do jogo."O Presidente mostrou com toda a clareza que não considera que a parceria transatlântica seja já suficiente para lidar com os desafios mundiais e que as instituições internacionais devem conseguir incluir as potências emergentes", escreve Álvaro de Vasconcelos no site do Instituto de Estudos de Segurança da UE. O seu périplo europeu teve em Londres e em Istambul os seus momentos politicamente mais fortes. Acresce que Obama retirou à Europa aquilo que lhe restava da era Bush: poder reclamar a superioridade moral. Não ficará eternamente à espera que ela se decida sobre que papel quer ter na nova ordem que está apostado em construir. Em 100 dias, o novo Presidente redefiniu a política americana, capitalizando sobre a boa vontade mundial que a sua eleição suscitou. Devolveu à América o seu prestígio e a sua autoridade moral. Pôs o resto do mundo a coçar a cabeça. Não se pode dizer que tenha sido pouco.

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