quarta-feira, 1 de abril de 2009

A putrefacção - Santana Castilho

A putrefacção
Santana Castilho - 20090401

Do outro lado, está uma gente que despreza os tribunais e que só conhece uma lei: a sua vontade autocrática. O parecer de Garcia Pereira sobre o diploma que instituiu o novo figurino de gestão das escolas veio parcialmente a público. O pouco que li é suficiente para adivinhar que, no fim, a iniciativa legislativa em apreço resultará arrasada, com inteligente e objectiva fundamentação jurídica. Só que, como manifestei relativamente ao anterior, trata-se de uma iniciativa meritória, mas condenada a não dar resultados. Porque do outro lado está uma gente que despreza os tribunais e nunca é condenada por litigar de má fé; que só conhece uma lei: a sua vontade autocrática. Que o digam, a este propósito, as centenas de conselhos executivos que, com desprezo olímpico pelo que a lei consigna (artigo 63º, número 2, do DL 75/2008) vão ser corridos sem os mandatos terminados, para que os régulos da 5 de Outubro concluam, antes das eleições, o serviço encomendado. Que o diga o persistente professor da Régua, que viu a razão reconhecida em todas as instâncias judiciárias sem que a ministra as acatasse, como é prática assumida pelos pequenos ditadores em tirocínio. Porque, pese embora um enorme respeito pelos resistentes, sinto que os professores começaram a desistir, cansados e enganados. Como, aliás, se verifica no país, onde as pessoas simplesmente aceitam as coisas, limitando a existência à sobrevivência a um sistema político em decadência acelerada. Há quem fale mesmo em putrefacção.Silva Lopes, um senhor muito ouvido e respeitado, defendeu recentemente, com autoridade e bonomia, o congelamento dos salários dos portugueses que, recorda o boletim estatístico de Janeiro passado do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, se cifrava, em termos médios, em 891,40 euros mensais. Socorro-me de um estudo realizado pelo economista Eugénio Rosa para trazer à colação que aquele senhor: auferia mensalmente 102.562,30 euros quando, em Maio transacto, deixou a presidência do Montepio; por 4 anos de actividade naquela instituição, vai receber cerca de 4.000 euros de reforma mensal, que somará a outra da Caixa Geral de Depósitos e, ainda, a uma terceira, do Banco de Portugal; embora invocando a necessidade de descansar para sair do Montepio aos 74 anos de idade, aceitou, de seguida, o cargo de administrador da EDP Renováveis, provavelmente em coerência com a sua visão socialista da economia e do mercado de trabalho. Obviamente que o pecúlio de Silva Lopes é legalmente imaculado e não me incomoda a sua abundância. Mas, do alto do seu luxo, não lhe sobra moral para vir a público referir-se à miséria dos outros. Isto, que numa sociedade civilmente vigorosa teria merecido vivo questionamento, foi, outrossim, tranquilamente retomado para outros excelsos intérpretes do politicamente correcto anunciarem que o garrote continuará a torturar o indígena.
O DVD em posse das autoridades inglesas que investigam o caso Freeport veio a público e provocou duas relevantes reacções: o visado, primeiro-ministro de Portugal, pondera actuar judicialmente contra a comunicação social que divulgou matéria protegida pelo segredo de justiça; a procuradora que investiga a matéria diz que não viu nem ouviu, nem quer ver nem ouvir. A senhora procuradora terá toda a razão formal, mas o povo não entende esta justiça que, em nome da forma, não vai à procura do espírito. E é mau, drasticamente mau, para a democracia, quando o povo não entende a justiça e por isso desiste de clamar por ela. Como é mau que o povo não reaja a um poder que persegue a imprensa. A história mostra que os totalitarismos que ensombraram o mundo começaram por desprezar os tribunais, como faz a ministra da Educação, e dominar a imprensa, como parece querer fazer o primeiro-ministro.Ou o meu mundo é outro ou o que o novo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público disse poderá configurar uma ameaça grave ao normal funcionamento das instituições, protegido constitucionalmente como coisa fundamental da vivência democrática. O magistrado João Palma afirmou haver pressões sobre os colegas que tutelam o caso Freeport. Instado a clarificar a matéria, o magistrado João Palma considerou ser demasiado grave fazê-lo e falou de "situações explosivas". O magistrado João Palma não é um cidadão qualquer e o que disse só pode inquietar profundamente qualquer cidadão. Apesar disso, em vez de consequências na hora, até à hora em que escrevo estas linhas, só notei a chegada da Primavera. Professor do ensino superior.
s.castilho@netcabo.pt

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