quinta-feira, 23 de abril de 2009

Para reflectir...

O que fazer se 600 mil portugueses ficarem sem emprego?
23.04.2009
José Manuel Fernandes

O activismo do Estado prejudica mais a recuperação da economia, e contraria as previsões do FMI, do que abster-se de dirigir e centrar-se na oferta de garantias mínimas a todos os cidadãos que queiram trabalhar, inovar, arriscar, investir. Em liberdade e com sentido de responsabilidade
O FMI apresentou ontem números mais negros para a evolução da economia portuguesa. Mais negros do que os do Banco de Portugal. Muito mais negros do que os do Governo. A organização costuma ser pessimista nas suas previsões, mas arrepia pensar que em 2011 - não em 2009, não em 2010 - o número de desempregados em Portugal pode chegar a 600 mil. Mais do que ficarmos inquietos com uma previsão de decréscimo da riqueza nacional de 4,2 por cento em 2009, arrepia pensar que a economia portuguesa vai continuar a encolher em 2010. Face a este cenário, mesmo que pessimista (e temo que ainda se revele pior), não é mais possível continuar a ouvir a ladainha de que se está a fazer tudo o que é possível fazer, nem se consegue suportar os anúncios sucessivos de milhões atirados para cima da economia ou do sistema de segurança social. Face a este cenário é preciso perceber que compete a qualquer governo falar verdade e procurar dizer aos portugueses qual a linha de rumo.Podemos passar dias a discutir se é tudo culpa da crise internacional, se outras políticas nos poderiam ter colocado ao abrigo da tempestade que apenas começou, mas não é muito útil. O mais importante é tentar perceber como vamos viver com 600 mil desempregados, com menos riqueza para distribuir e com um tecido empresarial a esfarelar-se. O que é importante é ter a humildade de perceber os limites do Estado e do activismo governamental num país com as nossas características. O que é mais importante não é dizer que já sabemos por onde vamos, mas saber por onde não devemos ir e assumir perante o país, como Obama fez nos Estados Unidos, que muitos caminhos errados serão tentados sem sucesso, mas acrescentando que temos muito menos margem para errar.Não tenhamos ilusões e digamo-lo com toda a frontalidade: a) Portugal é uma pequena economia aberta e periférica muito exposta a qualquer crise, pois dependemos das exportações de produtos que nem sequer são muito diferenciados; b) em Portugal o peso do Estado na economia continua a ser asfixiante e incapaz de atrair o investimento estrangeiro ou de permitir que as melhores empresas portuguesas ganhem dimensão; c) não houve milagres e ao país continuam a faltar as elites de qualidade, os hábitos de exigência e as rotinas de trabalho que são tão ou mais importantes do que um título académico; d) estamos endividados, pagamos caro o crédito e habituámo-nos a viver acima das nossas possibilidades. Talvez os eleitores não gostem de ouvir estas verdades, mas o país que desesperava Eça de Queirós é o mesmo país que hoje nos faz desesperar. E esse país nem sequer é o país da grande informação, é o país que lê menos jornais por habitante que a Turquia e onde um chico-esperto mais facilmente alcança o sucesso. É o país iliberal e avesso ao risco, o país dos empresários provincianos e dos trabalhadores dos "direitos adquiridos", o país onde, como se escrevia há mais de um século, se sucedem os governos que, mais do que derrubar, se deseja apagar com benzeno, como quem limpa uma nódoa.Vendo-nos ao espelho tal qual somos, sem ilusões nem fantasias, devíamos saber tirar as devidas consequências. Uma delas é que mais do que tentar sair da crise por nós, nos devemos preparar para sair da crise apanhando a vaga dos mais ricos e mais produtivos - que não sabemos quando vai chegar e em que direcção nos vai levar.Como fazê-lo da melhor maneira? Ultrapassando o actual paradigma do Estado protector e dirigista para o paradigma de um Estado garantia que assegura oportunidades a todos e a todos permite que escolham livremente os seus caminhos. Um Estado que garante aos cidadãos que estes não ficam sem protecção, mas não quer impor-lhes modelos de vida, de comportamento ou dizer-lhes onde devem ou não investir. Este Estado é parcimonioso na forma como gasta o dinheiro público, este Estado não tem empresas "amigas" e empresas "hostis", este Estado não diz onde se deve ou não investir, ou educar um filho, ou consultar um médico, antes assegura que ninguém cai fora da rede de protecção social, mas, ao mesmo tempo, ninguém lá pode construir para sempre o seu ninho parasita. Este Estado descentraliza e devolve poder aos cidadãos, acreditando que mais cabeças, mesmo que menos "iluminadas", pensam melhor do que algumas cabeças beneficiadas com o suposto dom da omnisciência. Este Estado prefere estimular as microiniciativas, em vez de subsidiar as empresas de arribação que vivem à sua sombra. Este Estado, por fim, é realista: quando não há dinheiro para gastar, não gasta, não se endivida, não facilita o endividamento das empresas e dos particulares.É preciso cerrar os dentes para dizer que não se devem esperar soluções milagrosas e que apenas se procura tornar a justiça mais justa e célere, a burocracia menos pesada, a vigilância menos omnipresente, a desconfiança menos castrante? Que não haverá grandes obras para inaugurar, nem megaprogramas para anunciar, antes nos temos de entregar a tapar os buracos, a recuperar o território, a tornar mais acolhedoras as escolas, a acreditar mais na responsabilidade das pessoas, sejam elas professores, pequenos empreendedores, grandes empresas?Os portugueses já estão a perceber: o tempo das vacas gordas está a acabar. O Estado e os seus responsáveis permanecem autistas - isso mesmo: autistas, sem medo da palavra, ou de um qualquer twitter, e sem ofensa para quem sofre da trágica doença.

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