quinta-feira, 13 de agosto de 2009

José Sócrates: Cronologia de um líder improvável (conclusão)


Janeiro a Dezembro de 2008 - Casos e campanhas
Helena Matos
José Sócrates: cronologia de um líder improvável (conclusão)
É como se fosse um jogo de xadrez: a cada caso, o primeiro-ministro responde vitimando-se e espalhando dinheiro. Em simultâneo, os ministros dão o dito por não dito e recuam nos intuitos reformistas que tiveram. Na Educação, o resultado é grotesco: incutiu-se a ideia de que os sacrifícios são necessários à reforma mas o ministério recuou praticamente em tudo, à excepção do acréscimo de burocracia. Doutros ministros, como os da Defesa, Justiça, Ambiente e Negócios Estrangeiros, quase se pode supor que se esforçam por tornar o mais discreta possível a sua presença no executivo. Mês a mês, reforça-se a convicção de que José Sócrates governa como se nunca equacionasse que um dia pode ser oposição. A politização da administração pública, a actuação servil dos organismos de regulação e um Estado cada vez mais omnipresente são o legado que deixa a quem lhe suceder. Estranhamente, até ao final deste ano, nunca parece ter pensado que não seria ele a suceder-se a si mesmo.Janeiro e Fevereiro de 2008 - O maior problema do Governo não foi a substituição de Isabel Pires de Lima por um equívoco chamado Pinto Ribeiro e de Correia de Campos por Ana Jorge, muito mais hábil com as corporações do sector e com a imprensa. Muito menos as acusações de governamentalização do BCP para cuja administração passam, vindos directamente da CGD, Carlos Santos Ferreira, Armando Vara e Victor Fernandes. Nestes meses, as preocupações do executivo iam dar a umas casas cujos projectos Sócrates terá assinado embora os donos das mesmas casas não o confirmem. No meio da confusão entre a acumulação de funções empresariais e o cargo de deputado por parte de Sócrates, o caso enreda-se. Para o futuro, fica a carta que José Sócrates escreve ao director do PÚBLICO, pois nela estão delineados os argumentos que já ouvíramos aquando do caso da licenciatura e que se ouvirão seguidamente no caso Freeport e que, por fim, se tornarão na linha da campanha do PS: tudo o que questione Sócrates é uma mentira nascida de motivações ocultas. Março a Maio de 2008 - Nos bastidores dos partidos, vivem-se momentos dos quais não reza a História mas que sabemos simbólicos. Um desses momentos sucedeu em Março de 2008, no Porto, quando os responsáveis do PS transferiram para o Pavilhão Académico o comício inicialmente convocado para a Praça de D. João I. Esta mudança implicou explicar a José Sócrates que o PS não ia conseguir competir em matéria de rua com a Fenprof, que, a 8 de Março, enchera as ruas de Lisboa. Ao país, o confronto entre o discurso da propaganda e a realidade chega não tanto pela queda do indicador da OCDE sobre a economia portuguesa ou as denúncias da intervenção governamental na Lusa. O que condensa essa divergência entre o dito e o acontecido é a notícia de que Sócrates fumou a bordo de um avião da TAP durante uma viagem oficial à Venezuela. De repente, foi como se as palhaçadas de agit-prop a que Chávez sujeitaria a delegação governamental portuguesa tivessem entrado também no avião. Afinal, o primeiro-ministro que, em Maio de 2008, fumou a bordo era exactamente o mesmo cujo Governo fazia sair legislação severa para erradicar os locais de fumo e que, mais uma vez, se assanhava com o pequeno comércio, incapaz de cumprir tanto regulamento. O argumentário do primeiro-ministro coloca-o novamente do lado da legalidade face às polémicas infelizes: "Estava convencido de que não estava a violar nenhuma lei nem nenhum regulamento. Infelizmente, há essa polémica em Portugal e eu quero lamentar essa polémica". No ar ficou não o fumo do cigarro mas qualquer coisa de Chávez.Junho de 2008 - O primeiro--ministro, com o novo aeroporto já devidamente arrumado em Alcochete, apresenta agora o TGV como o "projecto que vai mudar Portugal" e mostra-se particularmente à vontade na ambiência de catástrofe anunciada em que os líderes políticos engrenaram há alguns anos: depois das alterações climáticas e da gripe das aves, chegou a vez de a escassez dos combustíveis e a subida do preço dos cereais servirem de pretexto para o lançamento vertiginoso de programas, taxas e apoios que se esfumam tal como as catástrofes anunciadas. No último dia de Junho de 2008, Dias Loureiro apresenta a biografia de Sócrates da autoria da jornalista Eduarda Maio. Esta tem por título Sócrates - O menino de ouro do PS. O título pode não ser grande coisa, mas é uma realidade: em Junho, Santos Silva reafirma a intenção do PS de pedir maioria absoluta nas legislativas. Na AR, Paulo Rangel, cujo discurso do 25 de Abril de 2007 fora notado, passa a liderar a bancada do PSD. Sendo certo que toda a opinião pública e publicada considera que o principal partido da oposição tem um problema no silêncio de Manuela Ferreira Leite, que sucedera a Luís Filipe Menezes. Os exames colocam uma nova questão: está o ministério a fazer testes mais fáceis para assim obter melhores estatísticas? Sócrates garante que não.Julho, Agosto e Setembro de 2008 - Quando, a 31 de Julho de 2008, o Presidente da República faz uma comunicação ao país, os portugueses sentem-se desiludidos por o tema ser o Estatuto dos Açores. Perderam-se horas a aventar hipóteses sobre doenças e demissões. A paixão nacional pelas doenças levará a que se especule gulosamente com o quadro clínico de quem nos governa mas só um grande infantilismo político, a par de um profundo desconhecimento sobre as personalidades de Cavaco Silva e José Sócrates, pode explicar que neste Julho de 2008 se concebesse como possível repetir o quadro de Novembro de 2004, quando Jorge Sampaio fez cair o Governo de Santana Lopes. Quando, dentro de um ano, o Tribunal Constitucional se pronunciar sobre o mesmo Estatuto e pouco depois surgir o caso da não recondução de João Lobo Antunes no Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida dá-se como banal adquirido que quer os partidos quer o primeiro-ministro assumem compromissos com Cavaco Silva que posteriormente não cumprem. Mas, no Verão de 2008, o Estatuto dos Açores é ainda uma espécie de moinha nas relações entre Cavaco e Sócrates. A moinha voltará a dar sinal quando se tornar público que o PR espera há dois meses pelos estudos das obras públicas. Alguns militantes socialistas denunciam o que definem como "claustrofobia asfixiante" existente no PS. No país, cresce o sentimento de insegurança perante a criminalidade, mas, para o Governo, esse é um erro de percepção.Outubro de 2008 a Dezembro de 2008 - Este é um período estranho: em Portugal, voltou a conjugar-se o verbo nacionalizar, no caso o BPN. Nas ruas de Lisboa, a Fenprof recria o ambiente do PREC graças ao que define como maior manifestação de sempre. Manuel Alegre continua a fazer render o seu milhão de votos. Sócrates já admite vir a governar em minoria. Mais invulgares para os hábitos nacionais são os ataques ao governador do Banco de Portugal e a prestação do primeiro-ministro promovendo o Magalhães na Cimeira Ibero-Americana. Mas o que é realmente importante neste período não é, por enquanto, visível: José Sócrates sabe que, depois do caso da licenciatura, depois dos projectos das casas, está para chegar o Freeport. Por enquanto, são apenas pequenas notícias dando conta de que o processo Freeport, em segredo de justiça há vários anos, foi pedido para "consulta" pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal e que a polícia inglesa investiga fluxos suspeitos de dinheiro para Portugal. Mas quando o primeiro-ministro se dirige aos portugueses na mensagem de Natal de 2008, prometendo-lhes ajuda em tempos de crise económica, já está a fazer o seu caminho a carta rogatória das autoridades britânicas que o engloba na investigação ao Freeport. Em Janeiro de 2009, chega às primeiras páginas dos jornais. Desde aí, deixa de estar em causa o que o Governo faz ou não faz, pois o eixo da vida política deslocou-se para outro plano: o das histórias e vicissitudes do primeiro-ministro. E é sob esse ângulo ou suspeição que tudo é visto. Sócrates não é mais o homem a quem os portugueses deram uma maioria absoluta em 2005 e que esta cronologia procurou acompanhar. É alguém que corre contra o tempo para ganhar não eleições, coisa comezinha, mas sim os votos que lhe darão um novo ciclo político. Poucos candidatos tiveram alguma vez tanto em jogo quanto Sócrates vai ter em Setembro de 2009. Jornalista

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