quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Março a Dezembro de 2007: as traquinices do menino de ouro

Março a Dezembro de 2007: as traquinices do menino de ouro
Helena Matos
José Sócrates: cronologia de um líder improvável (continuação)Este é um tempo marcado pelas revelações em torno da licenciatura de Sócrates. Perante o escândalo, o PS reagiu como reagem as grandes famílias quando o seu menino de ouro faz asneira: uniu-se, pelo menos publicamente, acusou os outros de mentir e, no limite das evidências, culpou as companhias e arrumou o assunto como se fosse uma traquinice. Teria sido diferente a atitude do PS caso o partido não estivesse no poder? Talvez. Mas acontece que o PS era poder e entendeu que devia defender o seu líder. Os efeitos dessa opção para o partido ver-se-ão no futuro. Para o país foi um desastre, pois desde Março de 2007 que o maior partido português confunde deliberadamente responsabilidade criminal e responsabilidade política.
Março e Abril de 2007 - Dado o ritmo a que a blogosfera comenta o processo académico de Sócrates, em S. Bento sabe-se, desde o fim do Fevereiro, que se está em contagem decrescente para que o assunto se transforme em notícia. Só resta saber quando. Mas enquanto a crise da licenciatura não estala eis que a criação do Conselho Superior de Investigação Criminal, a ser presidido pelo primeiro-ministro, suscita uma inusitada reacção por parte dos assessores de Sócrates que telefonam para alguns daqueles que assinaram artigos de opinião criticando este novo organigrama das forças policiais e do próprio Governo: o então ministro da Administração Interna, António Costa, e o secretário de Estado José Magalhães iniciam um blogue na própria página do ministério onde fazem comentário aos comentadores. Se o reforço do Estado-polícia gera polémica, já a actuação do Estado-empresário, essa continua inquestionável: neste mesmo mês de Março, a Caixa Geral de Depósitos votou contra a desblindagem da Portugal Telecom inviabilizando assim a OPA da Sonae sobre a PT. Entretanto a rua emerge: a CGTP garante ter congregado mais de cem mil pessoas em protesto contra a política governamental. E um dado que o futuro provaria não ser irrelevante em matéria de manifestações: Mário Nogueira foi eleito secretário-geral da Fenprof.Quase no final de Março o assunto da licenciatura de Sócrates é finalmente tratado na imprensa escrita, mais precisamente no PÚBLICO. O que sucede nas semanas seguinte é apenas controlo de danos: o ministro Santos Silva fala de "jornalismo de sarjeta" e defende um novo Estatuto para a classe. Mário Soares diz que Sócrates é alvo de "ataques raivosos da direita". Os assessores governamentais continuam a fazer de telefonistas e a responder aos blogues. A Assembleia da República descobre que tem dois registos biográficos de José Sócrates datados de 1992 e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) pretende averiguar se existem pressões. O reitor da UnI é detido. Na sua posse tem uma pasta com documentos sobre as licenciaturas de José Sócrates e Armando Vara. Os partidos vivem tudo isto com manifesto embaraço. José Sócrates dá finalmente a entrevista possível na RTP. Parafraseando uma velha frase: aos costumes disse nada. Mas também o objectivo desta entrevista não era esse: tratava-se sim de um ritual para encerrar este equívoco capítulo do passado. Ritual cumprido, Sócrates tem boas notícias para o futuro: Novas Oportunidades, projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN) e possibilidade de referendo ao que então ainda se chamava Tratado Constitucional da UE. Sócrates acaba o mês a acusar a oposição de "bota-abaixismo", sendo o principal visado desta acusação Marques Mendes que levantara questões sobre a Ota e a ida de Pina Moura para a TVI. O país constata que Sócrates é um osso duro de roer. Característica que provavelmente agradou aos portugueses que já começavam a acreditar ser sua sina que os primeiros-ministros não terminassem os mandatos.
Maio de 2007 - Para defender a escolha da Ota, Mário Lino declara que "na margem sul não há cidades, não há gente, não há hospitais, nem hotéis nem comércio" e garante, em francês, que jamais o aeroporto irá para esse "deserto".Com declarações deste teor Sócrates deixou de precisar de explicar que sem ele o Governo não passava dum conjunto de baratas tontas. Quanto ao PS, a avaliar pelas declarações do seu presidente, Almeida Santos - "um aeroporto na margem sul tem um defeito: precisa de pontes. Suponham que uma ponte é dinamitada?" - o desacerto era evidente e o partido bem precisava do apoio do secretário-geral para fazer face às revelações sobre os financiamentos que o PS aceitara quer em Felgueiras quer no Brasil.Continuavam as notícias sobre a licenciatura de Sócrates ou mais precisamente sobre aquilo que o liga a António Morais e Armando Vara. No meio de tanto passado as questões do presente correm em catadupa: no final do mês, o Presidente da República faz um apelo a que se reaprecie o dossier Ota; o primeiro-ministro anuncia que meio milhão de pessoas vai ter computador e Internet mais baratos, a CGTP organiza uma greve geral e a candidatura de António Costa à autarquia lisboeta obriga à sua substituição no MAI por Rui Pereira.A suspensão de um funcionário da Direcção Regional de Educação do Norte por este ter feito um comentário jocoso sobre a licenciatura do primeiro-ministro chama a atenção para a partidarização da administração pública. Nada que não se soubesse acontecer mas que com o PS de Sócrates é assumido.
Junho 2007 - O Governo começa a preparar o recuo na questão da Ota: quando Cavaco Silva recebe o estudo patrocinado pela Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), que apontava Alcochete como alternativa à Ota, Mário Lino anuncia que o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) vai comparar as opções Ota e Alcochete.A CGTP continua a encher as ruas. Quanto ao primeiro-ministro, parece apostado em transmitir convicção: diz que Portugal não voltará a enfrentar crises orçamentais, dado o alcance das reformas que o Governo empreendeu e anuncia que o acordo com Joe Berardo deslocou o roteiro internacional de arte contemporânea de Madrid para Lisboa
Julho, Agosto e Setembro de 2007 - Boas notícias para José Sócrates: Portugal tem a presidência da UE; António Costa torna-se presidente da CML; o ex-inspector da PJ que denunciou o caso Freeport foi condenado a oito meses de prisão e ao pagamento de uma multa; a PGR arquivou o inquérito à sua licenciatura, embora não consiga explicar como um certificado com data de 1996 inclui um impresso que só podia existir depois de 1998. Entretanto o PSD está sem líder, pois Marques Mendes demite-se na sequência dos resultados das autárquicas lisboetas.Este é o Verão em que a ASAE se enfurece com as bolas-de-berlim, a aguardente de medronho e a Ginginha do Rossio. O responsável da ASAE defende publicamente que metade dos cafés de Portugal deve fechar e comporta-se como se dirigisse um corpo especial e inquestionável de polícia.
Outubro, Novembro e Dezembro de 2007 - Agentes policiais levam material da sede de um sindicato na Covilhã, cidade que iria ser visitada por Sócrates. No meio deste ambiente meio anacrónico tem lugar a cimeira UE-África que traz a Lisboa ditadores vários e o festival da tenda de Kadhafi. Pragmaticamente os portugueses constatam que da América Latina a África aquilo a que pomposamente se chamava política externa é cada vez mais uma política de negócios no estrangeiro. Este é o tempo do "porreiro, pá" que Sócrates profere a Durão no final da conferência que viu nascer o Tratado de Lisboa: no Parlamento está tudo reduzido a combates entre o imbatível primeiro-ministro e o menino-guerreiro, ou seja, Santana Lopes, que o novo líder do PSD, Luís Filipe Menezes, tornara líder parlamentar. A oposição está sobretudo na rua, sobretudo na CGTP, que só em Outubro fez desfilar 200 mil manifestantes. Mas, acredita-se por essa época em S. Bento, não será difícil mostrar as ligações da CGTP ao PCP e como tal apresentar toda esta contestação como um entrave ao espírito reformista do Governo de de Sócrates, que finda o ano em beleza com a assinatura do Tratado de Lisboa.Para Sócrates, o pior parece ter passado. (continua). Jornalista

Sem comentários: