terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Agora escolha...

Eu já escolhi o "Conta-me como foi..." lembra-me a minha infância!!!

Conta-me como foi... e como não foi
Nuno Pacheco
Neste domingo, foi assim: espreitava-se a RTP1, e lá estava a família Lopes, a braços com bizarrias e estranhos costumes do Portugal de há quarenta anos; mudava-se para a SIC e, em vez disso, via-se Salazar em versão soft, caído de amores por tentadoras odaliscas. Resumindo: de um lado, a ditadura a dizer adeus, aos poucos, Salazar de saída, Marcelo de entrada, a guerra na mesma e um imenso lote de novidades a mudar os hábitos. Do outro, um António de Oliveira libidinoso, deixado cair em tentação até o livrarem do mal, um Mr. Hyde pinga-amor de um Dr. Jekyll sisudo e sensaborão.O Conta-me Como Foi mostra o que mudou naqueles tempos: televisão e máquina de lavar roupa a invadirem os lares, o automóvel mais acessível, os apartamentos para vender, e tudo isto em suaves prestações mensais, para não doer muito. E a mini-saia, o biquíni, a boca-de-sino, calças para as mulheres e tudo o mais que por aí vinha, ainda com algum decoro pueril mas já a querer saltar a barreira do impossível. Impossível? Não para os chefes. O engenheiro Ramires do Conta-Me tem (tinha que ter, era uma instituição) uma amante às ordens na empregada da imobiliária. E o ditador António de Oliveira Salazar, retratado na série da SIC, lá ia debicando amores no intervalo das decisões mais espartanas e solenes sobre o presente e o futuro da Pátria.O problema é que se as aventuras dos Lopes, do Fánan, do Camões, do padre Antunes, da menina Emília ou da dona Vitória nos oferecem alguma verosimilhança social e temporal, fazendo com que o espectador dificilmente desgrude da série, já A Vida Privada de Salazar mostra o retrato surreal de um Salazar que mais parece uma caricatura envelhecida do Brando de Um Eléctrico Chamado Desejo, já a meio caminho do tortuoso Apocalypse Now, do que o ditador das Finanças de Santa Comba.
Será que isso importa? Para quem vir a série despreocupadamente, talvez não. Mas para quem procurar nela mais do que um entretenimento televisivo nocturno, esta Vida Privada fica muito abaixo de crível. Não pelos factos ou pelos romances do ditador, já antes tratados em livros (como, por exemplo, o de Felícia Cabrita, Os Amores de Salazar), mas pelo "embrulho" fluido e quase caricato em que os meteram. Por falar em embrulho: a série começa com Salazar a ser retirado da banheira pela governanta, nu, sugerindo que a célebre queda da cadeira foi afinal um fanico no banho. Não se percebe a tese aquática. Talvez porque de tragédias em banheiras ainda tínhamos parca herança: o assassinato de Marat, na turbulência sangrenta da Revolução Francesa, a morte em Paris de Jim Morrison ou a agonia fatal do poeta Vinicius de Moraes.
Nada disto deve importar, realmente. Mas com tal Salazar à solta, bem diferente do ultramontano que nos fez penar, o outro volta à ribalta pela porta grande. E a televisão é o veículo adequado: não foi nela que o escolheram, com 42 por cento dos votos, como o maior português de todos os tempos, à frente de D. Afonso Henriques ou D. João II? Por estas e outras é que, quando se esbarra na Internet com o site da Fundação do dito se lê: "Fundação (do fascista) Oliveira Salazar; Portugal não esquece (a ditadura fascista)". E, mais abaixo, a vermelho, como nos acrescentos a itálico: "Este site foi visitado por um antifascista. Por enquanto não apaguei nada. Mas tomei conta do site. Saibam seus fascistas da treta que vos tenho debaixo do olho!..." Por enquanto? Terá espreitado a SIC, domingo à noite? Jornalista

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