quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Medo e Cobardia - Helena Matos - Público

Medo e cobardia
Helena Matos

É este espírito de medo, falta de princípios e cobardia que se incute diariamente nas escolas aos nossos filhos? É."Uma menina de 10 anos teve que receber tratamento depois de ter sido espancada. Agressão foi praticada na própria escola [Escola Básica Integrada do Monte da Caparica, em Almada] e os agressores apontados pela garota são quatro alunos, seus colegas. A GNR investiga o caso." Jornal de Notícias, 8 de Fevereiro

"A PSP vai comunicar ao Ministério Público a agressão sofrida, esta terça-feira, por um professor de Inglês da Escola Básica 2-3 Dr. Francisco Sanches, de Braga, que ficou a sangrar abundantemente depois de esmurrado pelo tio de um aluno, disse à Lusa fonte da corporação." Portugal Diário, 11 de Fevereiro

Estas são duas notícias recentes de agressões em escolas portuguesas. Em qualquer escola do mundo, pública ou privada, pode acontecer uma agressão. Mas o que está a acontecer em Portugal não é nada disso. À semelhança dos desastres de avião que frequentemente resultam não dum grande problema mas sim dum somatório de falhas que isoladamente não têm grande importância mas em conjunto desencadeiam a catástrofe, também uma leitura deste tipo de notícias permite concluir que algo de profundamente anormal está a acontecer nas escolas públicas, em Portugal. Por exemplo, no caso da agressão à menina na Escola Básica Integrada do Monte da Caparica, em Almada, verifica-se que a aluna foi agredida dentro da escola, durante uma hora. Nem funcionários nem professores deram por isso. Uma hora é muito tempo. E cinco crianças, isto a contarmos apenas a agredida e os agressores, envolvidas numa cena destas fazem uma certa algazarra. Mas admitamos que tal pode acontecer. Em seguida a criança agredida saiu da escola acompanhada por dois colegas, o que quer dizer que, pelo menos, entre os alunos já corria informação sobre a agressão. A menina tinha a roupa cheia de lama, sangue na boca e a cara esfolada. Mas saiu da escola, durante o período escolar, e repito: durante o período escolar, sem que qualquer funcionário ou professor considerasse que devia intervir. Ou teremos de admitir que uma criança neste estado consegue atravessar as instalações escolares e passar pela portaria sem que professores ou funcionários a vejam? É difícil entender que tal aconteça, mas admitamos que estava muito nevoeiro ou que estavam todos a contemplar o céu e logo também isto pode ser possível. Chegada a casa, a criança foi levada ao Hospital Garcia de Orta, cujo relatório citado pelo Jornal de Notícias diz o seguinte: "Criança de 10 anos, sexo feminino, vítima de agressão física por parte de quatro colegas da escola, todos com 11 anos. Hematoma facial esquerdo, dor abdominal e dorsolombar difusa, escoriações em ambas as palmas das mãos e lombares". Face a este relatório, a "GNR investiga o caso". Cabe agora perguntar o que faz a GNR no meio disto? Em relação aos agressores que nem sequer têm 12 anos não podem fazer nada. E sobretudo o que sucedeu naquela escola e está a suceder um pouco por todo o país é uma sequência de desresponsabilização por parte de professores e funcionários: não ver, não intervir, olhar para o outro lado tornaram-se a estratégia de sobrevivência numa escola sem autoridade nem prestígio. Na evidência dos hematomas ou das filmagens com telemóvel abre-se então um inquérito e apresentam-se queixas na polícia, como quem lava as mãos.Passando para o caso da agressão a um professor numa escola de Braga, nota-se exactamente o mesmo receio de intervir: um homem entra numa escola ameaçando bater num determinado professor. Não consegue e espera-o à saída da escola, tendo concretizado a agressão à saída, perante várias testemunhas. Não conheço qualquer outro local de trabalho, além das escolas portuguesas, onde uma pessoa ameaçada saia do seu local de trabalho sem que alguns colegas o acompanhem.É este espírito de medo, rebaixamento, falta de princípios e cobardia que se incute diariamente nas escolas aos nossos filhos? É. O vazio de autoridade nas escolas levou a isto: chama-se a polícia e abrem-se processos judiciais para tentar intervir em situações que um conselho directivo devia ter meios para resolver. Para cúmulo, deste ambiente perverso que levou à criminalização do quotidiano prometem-se agora câmaras de videovigilância para 1200 escolas. Alega o ministério que o Plano Tecnológico da Educação vai dotar as escolas de computadores, quadros interactivos e videoprojectores por cuja segurança estas câmaras irão zelar. Apanhando o comboio, muitas escolas esperam também que as câmaras dissuadam alguns actos de violência. Mas, como todas as semanas notícias como estas confirmam, o problema não é não ver. É não querer ver. Ou ter medo de ver. Quantos adultos viram aquela criança ser agredida na Escola Básica Integrada do Monte da Caparica? Nenhum? E nenhum a viu sair da escola com lama e sangue na cara? Ninguém viu o agressor à espera do professor de Inglês à porta da Escola Básica 2-3 Dr. Francisco Sanches, de Braga? O que fez falta nestas escolas não foram câmaras de videovigilância. O que fez falta foi não ter medo de assumir responsabilidades. Jornalista a Coelhos. Nem mais nem menos. No novo imaginário da luta de classes eis o que somos: coelhos. Num momento do seu discurso na convenção do BE que alguns considerarão menos inspirado, Francisco Louçã recorreu à imagem dos "coelhos numa cova" fazendo coelhinhos para, por contraponto, ilustrar a improdutividade do capital cujas notas nada produzem.Esta abordagem do capitalismo enquanto algo artificial por contraponto à boa Natureza, dotada duma espécie de socialismo primitivo, não tem nada de novo.Por outro lado, também não é novidade para ninguém que os coelhos são o protótipo da Natureza de peluche pronta a consumir pelos jovens urbanos do BE. Mas o que é verdadeiramente interessante nesta frase de Louçã é que ela confirma a deslocalização das causas de esquerda do campo da ideologia para o da biologia.O BE não sabe o que fazer com a luta de classes e não cativa os sindicalistas. Os seus dirigentes preferem denunciar a globalização pela voz de activistas que saltitam de congresso internacional para manifestações aonde chegam após passagem pela América Latina, Gaza e Bruxelas.O corpo e não o capital ou o trabalho é, para o BE, o território onde se determina o que é e não é de esquerda. Donde vermos o casamento, a reprodução e a morte tornarem-se as linhas em torno das quais Louçã e os seus prosélitos organizam o seu activismo. Agora será o casamento dos homossexuais, a que se seguirá a eutanásia e seguidamente o problema da inseminação das lésbicas ou poderá ser tudo isto por outra qualquer ordem, pois o que realmente conta é fazer de cada um de nós um láparo enfiado numa cova à espera que Louçã nos abra os olhos.A coelheira tem ainda a extraordinária vantagem de funcionar como o território festivo onde o PS e o BE se encontram. É na coelheira e seus activismos que PS e BE criam aquele mínimo denominador místico comum que lhes permite, em tempo de coligações e acordos, andar por aí dizendo que são de esquerda, como outros dizem que vão a Meca ou ao beija-mão ao Papa, e sobretudo tentarem anatemizar todos aqueles que não pensam como eles.

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