sábado, 14 de março de 2009

O desnorte no PS

A declaração de Lello
Vasco Pulido Valente

José Lello resolveu declarar que a política de Alegre é uma exibição de "falta de carácter". A generalidade dos notáveis do partido não o seguiram nisto. Ou se calaram, ou, como Edite Estrela e Almeida Santos, tentaram desvalorizar o acidente. Alguns defenderam mesmo o direito à "liberdade de opinião" interna. Sócrates, por seu lado, não disse uma palavra sobre o assunto. Mas, pouco a pouco, começaram a aparecer dois campos. Por um lado, o campo dos que acham (geralmente, em privado) o comportamento de Alegre "intolerável". E, por outro, os que acham que Sócrates deve condenar Lello sem equívoco, coisa que, como seria de esperar, ele se recusa a fazer. A questão talvez se arrastasse até se diluir na complacência nacional, se ontem Alegre não tivesse provocado uma prova de força. Quer ou não quer o PS que ele (e, através dele, o seu "espaço político") se candidate? Se não quer, que se arranje. Se quer, que ponha Lello rapidamente na ordem.Esta guerra não é uma guerra frívola. Em primeiro lugar, porque a declaração de Lello transfere o problema de Alegre da ordem política para a ordem moral. Se essa premissa for aceite, daqui em diante a mais leve oposição à "linha do partido" passa a desqualificar como pessoa o dissidente; um caminho que levou ao que levou os partidos do "socialismo real", tanto na URSS como, em menor escala, em França e Portugal. Sem grande exagero, a presença de Lello no PS não conforta, sobretudo porque ele representa uma disciplina e uma intolerância que o próprio Sócrates criou ou que, pelo menos, se não criou sem ele.
Em segundo lugar, porque a declaração de Lello trouxe à superfície duas concepções de partido radicalmente incompatíveis. Para começar, a concepção monolítica de Santos Silva. O PS, explica ele, talvez possa aceitar um acordo com um partido estranho, mas nunca se coligará consigo mesmo (no caso, com Alegre); uma visão caracterizadamente leninista que não aceita a natureza heterogénea de qualquer partido democrático e, portanto, o seu inevitável carácter de coligação. Contra Santos Silva está António Costa, que reconhece a "base autónoma" de Alegre e recomenda uma aliança com ele: sem isso, o PS ficaria "mais pobre". Quando a polémica chega a este ponto, é porque a arregimentação e a coacção do chefe também chegaram a um ponto inaceitável.

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