segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Conhecer uma criança

Passo a transcrever na íntegra a crónica do Prof. Daniel Sampaio publicada na revista "Pública" de ontem é um pouco longa, mas vale a pena ler:
«Há quem diga que as crianças são todas iguais e que meia dúzia de regras retiradas de um manual de auto-ajuda de leitura fácil solucionam qualquer problema. Nada mais errado: são todas diferentes e muito difíceis de conhecer.
Os pais e os educadores têm essa experiência: com os mesmos princípios educativos e directrizes educativas coerentes, dois irmãos de idade aproximada mostram atitudes e comportamentos bem diferentes; numa turma organizada de forma homogénea, com os alunos da mesma faixa etária e com resultados comparáveis no ano anterior, surgem com frequência comportamentos dissemelhantes.
Se pensarmos bem, estes factos não são surpreendentes: existe uma herança genética, mas o percurso individual e os acontecimentos de vida de cada um moldam uma maneira de ser singular, afinal a marca específica da identidade de cada um.
Quando lidamos com crianças temos de compreender que um período de seis meses corresponde a uma grande mudança, bem diferente do que se passa no adulto, em que as características de personalidade se mantêm quase inalteradas ao longo da vida. Por isso, torna-se necessário enquadrar o comportamento dos mais novos na fase de desenvolvimento em que se encontram, perceber como são os meninos e as meninas da mesma idade e procurar na história da família a forma melhor educar: " viver o momento" nunca poderá ser um bom princípio na relação entre as gerações, porque todos nós temos um passado que nos organiza enquanto pessoas e que nos guia na condução da vida dos mais novos a nosso cargo.
A criança precisa de espaços individualizados, não se conhece em ambientes caóticos nem em sítios preferidos pelos adultos: é preciso escolher o momento em que nos podemos sentar no chão a seu lado, de modo a sermos capaz de ouvir com atenção ou respeitar a sua vontade de não falar. Grandes discursos não são indicados, porque o tempo é diferente em cada geração e cinco minutos de escuta activa podem valer mais do que meia hora de conversa inútil. É bom também que os adultos compreendam como as crianças de hoje são capazes de fazer várias coisas aomesmo tempo, sem que isso corresponda a falta de interesse ou pouca atenção face ao que o mais velho recomenda: a capacidade de realizar tarefas em simultâneo é uma característica das crianças e adolescentes de hoje, que podem ouvir o pai e ao mesmo tempo navegar na Internet (embora seja melhor que se olhem e escutem sem mais nada no meio ...).
O decisivo é que face a um adulto que educa (e que, como tal, deve estar numa posição dominante, sem ambiguidade), a criança e o adolescente tenham a capacidade de fazer ouvir o seu ponto de vista, que deve ser sempre valorizado, mesmo que o adulto não se reveja nele: o pai decidir depois de ouvir o filho é o caminho a percorrer, porque permitir tudo ou mandar obedecer sem respeitar os mais novos não pode levar ao êxito na educação.
Muitos pais queixam-se de faltam de tempo, o que é compreensível no momento actual: ambos os progenitores trabalham na maioria dos casos, as escolas começam cedo e os empregos não permitem que se chegue cedo a casa. A solução para a falta de tempo deve ser encontrada na valorização dos pequenos momentos vividos em conjunto, mais do que no prometido espaço de grande disponibilidade parental que às vezes não chega a acontecer, com a consequente desilusão da criança: é melhor fazer tudo em conjunto, de modo a aproveitar o tempo e proporcionar um encontro que seja proveitoso para todos. Assim, os pais podem dar apoio nos trabalhos de casa, mas a criança e o adolescente podem arrumar o quarto, ajudar na cozinha ou providenciar para que nada falte na mesa: quando a família partilha as tarefas domésticas está a viver um momento importante para todos, porque enquanto se faz o jantar pode-se conversar, tirar uma dúvida da matéria ou preparar o terreno para uma conversa posterior.
O combate ao individualismo do mais novos e a educação para autonomia deveriam constituir o lema fundamental dos pais de hoje: no seu próprio interesse, é caso para dizer...»

Sem comentários: