terça-feira, 23 de setembro de 2008

Livrarias a sério

Perante isto que dizer da famos «Livraria Esperança» que há alguns anos dizia ser a maior livraria do mundo!!!

Oito livrarias únicas


De Maastricht a Buenos Aires, de Los Angeles a Paris, viagem a algumas das melhores livrarias do mundo, a começar pela Lello, no Porto, na fotografia desta página



Porto Lello
O nº 144 da Rua das Carmelitas, no Porto, é uma morada obrigatória para os aficionados da literatura e todos aqueles que visitam a Cidade Invicta. Quem aqui chega, incluindo inúmeros estrangeiros, vem atraído por imagens e relatos de um mundo mágico, onde Arte e História se cruzam com os livros. Dela disse o escritor espanhol Enrique Vila-Matas ser «a mais bela livraria do mundo». Para percebê-lo não basta admirar a bela fachada neogótica, com o seu amplo arco abatido e uma porta central, ladeada por duas montras. É preciso aceitar o convite para mergulhar no seu interior e folhear a sua história.
A primeira coisa que se estranha ao entrar é o intenso cheiro a madeira. Habituados aos supermercados da leitura da era do betão, com as suas estantes pré-fabricadas e o conforto do ar condicionado, somos surpreendidos pela singularidade desta preciosa jóia arquitectónica inaugurada a 13 de Janeiro de 1906, com a presença de várias personalidades da sociedade portuense e do mundo das Letras, como Guerra Junqueiro.
Aqui, tudo é memória de um tempo onde o culto dos livros não era um lugar estranho. Há bancos em madeira revestidos a couro, enormes estantes forradas com muitas preciosidades literárias em várias línguas e até bustos de alguns dos maiores vultos da literatura nacional, como Eça, Camilo ou Antero de Quental. O maior postal ilustrado do espaço é, contudo, a sua bela escadaria circular em madeira, envolta pela luz diáfana que irradia do amplo vitral desenhado no tecto e captada pelas objectivas de visitantes de todo o mundo. Verdadeiro «ex-libris» da cidade do Porto, a livraria mantém-se na mesma família desde que foi inaugurada há mais de um século. Em 1995 foi alvo de obras de restauro entregues ao arquitecto Vasco Morais Soares, que preservou o seu carácter histórico, mantendo a traça original, mas adaptou o espaço interior às necessidades de uma livraria moderna. O resultado merece uma visita demorada.


Maastricht Selexyz Dominicanen

Há quem defenda que a leitura é uma experiência religiosa. Se assim for, não haverá refúgio mais adequado que o verdadeiro tesouro revelado, no final de 2006, em Maastricht, no Sul da Holanda. A Selexyz Dominicanen é muito mais que uma livraria. É um pedacinho de céu construído no interior de uma antiga igreja dominicana adaptada ao novo papel pela dupla de arquitectos holandeses Merkx + Girod.
Construída há cerca de 800 anos, a igreja perdeu a sua função original quando, em 1794, os franceses ocuparam a região e expulsaram os dominicanos. Depois, albergou o arquivo municipal, recebeu exposições, foi cenário de combates de boxe e, antes da requalificação, servia de parque de estacionamento para bicicletas.
O projecto é uma combinação perfeita entre sagrado e profano, literatura e fé. O restauro preservou o aspecto histórico e arquitectónico original mas dotou-o de um design moderno e minimalista. O resultado é, segundo o conceituado diário britânico «The Guardian», «a livraria mais bonita do mundo» (a portuguesa Lello surgiu no terceiro lugar).
Subindo ao segundo piso da estrutura metálica que possibilita o acesso a mais de 40 mil livros, os visitantes podem também admirar mais de perto os bonitos e recuperados frescos do tecto do templo. Entre eles, o mais antigo dos Países Baixos, uma imagem da vida de São Tomás de Aquino, datada de 1337 e descoberta durante as obras de restauro.
No antigo altar, agora convertido em bar, celebram-se hoje outros rituais, como apreciar uma chávena de chá ou de uma das inúmeras variedades de café disponíveis. Há ainda uma fascinante mesa de leitura simbolicamente concebida em forma de cruz, para quem quiser folhear um jornal ou uma revista. Divina, como quase tudo neste lugar.


São Paulo Vila

Num mundo dominado por «megastores», a Livraria da Vila, em São Paulo, é uma das poucas que conserva o aconchego e a diversidade. O projecto arquitectónico das lojas mais recentes, com portas que se transformam em estantes, foi premiado em Londres, este ano, com o Yellow Pencil. O ambiente moderno, onde não pode faltar um café e um auditório para debates, tornou-se padrão do estilo brasileiro de vender livros, CD e DVD. Mais antiga do que a Livraria da Vila, a Livraria Cultura sempre fez parte da vida intelectual da cidade. Era pequena, no início, mas com a Internet e a chegada do modelo FNAC ao Brasil, cresceu para sobreviver e abriu filiais noutros estados.
No Rio de Janeiro, a tradição livreira remonta aos tempos em que a cidade ainda era a capital cultural do Brasil, primazia que hoje é paulistana. Nesse período, a Livraria Argumento surgiu como ponto de encontro no bairro do Leblon. Um dos seus frequentadores mais assíduos, o autor de telenovelas Manoel Carlos, transformou-a em cenário de várias delas: as mais conhecidas são «Por Amor» e «Laços de Família». Mas, para os brasileiros, a simpática casa da Rua Dias Ferreira já era referência muito antes de chegar aos ecrãs da Globo. Na verdade, a Argumento começou em São Paulo, na década de 1970, como um local onde era possível encontrar livros censurados pela ditadura militar. Só depois disso foi para o Rio de Janeiro. Nessa época, Ipanema estava na moda, o poeta Vinicius de Moraes andava pelos bares e as pequenas livrarias promoviam encontros entre a oposição. Foi assim que surgiu a Livraria Muro, que deu origem à actual Livraria da Travessa, a mais famosa nos dias que correm. Charmosa, com um bom catálogo de livros, CD e DVD, a sua loja em Ipanema tem também um restaurante, onde é possível tomar uma caipirinha e almoçar no regresso da praia. Existe coisa melhor?

Buenos Aires Ateneo


Na elegante Avenida Santa Fé, a poucos metros da Callao, uma das esquinas com mais movimento, a principal das sete filiais da Ateneo é como um instante de calma e reflexão no frenesi de Buenos Aires. O «glamour» e o esplendor da Ateneo Grand Splendid fazem desta livraria a maior e mais bonita da América do Sul. Numa recente lista elaborada pelo jornal britânico «The Guardian», ocupa o segundo lugar entre as dez livrarias mais importantes do mundo em beleza arquitectónica. Atrás apenas da Selexyz Dominicanen (Holanda) e à frente da Lello. «Temos o catálogo mais importante da América do Sul, com edições especialmente trazidas para esta livraria. O mesmo ocorre com a música clássica», descreve ao «Expresso» Manuel Cuestas, gerente regional. A Ateneo foi um emblemático cine-teatro, Grand Splendid. Em 1919, o austríaco Max Glücksmann queria construir aqui «uma catedral das artes cénicas». Glücksmann era proprietário da discográfica Nacional-Odeón, selo que lançou Carlos Gardel, entre outros. Hoje, este mesmo palco onde o mito do tango se apresentou várias vezes, foi transformado num charmoso café com piano (Café Impresso), no qual o leitor pode folhear as centenas de livros em exibição. No ano 2000, quando a concorrência com as grandes redes de cinema castigava duramente o Grand Splendid, o grupo ILHSA (proprietário ainda da rede de livrarias Yenny, com 34 filiais) alugou o espaço e investiu 700 mil euros na remodelação do prédio, que manteve intacta a ornamentação, os camarotes, as molduras decorativas, as esculturas e até a cortina de veludo do palco. Desde então, são investidos mais 140 mil euros por ano na preservação do prédio. As poltronas foram substituídas por estantes. A antiga bilheteira é ocupada pelos livros de bolso. Os camarotes são pequenas salas de leitura. Nos três pisos superiores há um hall para apresentações outro para exposições. No total, são 2.000 m2 de harmonia e bom gosto. Em 1927, Glücksmann comprou o prédio da famosa Rua Florida 340, onde, por coincidência do destino, também funciona há mais de 50 anos a primeira filial da Ateneo, cujo padrinho é Jorge Luis Borges, de ascendência portuguesa. Tal como Eduardo e Ricardo Grüneisen, donos da Ateneo e filhos da imigrante Maria Victoria Piano.

LondresDaunt Books

Foi, durante anos, um dos segredos mais bem guardados de Londres. A livraria Daunt Books, na rua principal do bairro de Marylebone, é uma das mais bonitas da cidade, com os seus cadeirões, o vidro pintado e as lindíssimas prateleiras de carvalho iluminadas por uma longa clarabóia central. O edifício, de 1910, foi construído de propósito para albergar um alfarrabista. Na década de 90, o banqueiro James Daunt transformou-o na melhor livraria de viagens da cidade - uma livraria diferente, com uma alma muito especial. A Daunt Books tem uma disposição única, com os tradicionais mapas e guias de viagem de cada país arrumados ao lado das obras mais importantes de literatura, história, arte ou gastronomia desse mesmo país. «As livrarias tradicionais não têm lógica», explica James Daunt. «Um viajante interessado na França do pós-guerra tem de ir à secção de Viagens, depois à de Biografia procurar um livro sobre De Gaulle e talvez à de História. Aqui todos esses livros estão na mesma prateleira», diz. A secção dedicada a Portugal, por exemplo, tem quase seis dezenas de títulos - versões inglesas de Saramago, Pessoa, Camões e Eça, autores como Tabucchi («Afirma Pereira»), Monica Ali («Alentejo Blue») ou Robert Wilson («A Companhia de Estranhos»), ensaios sobre os Descobrimentos, livros sobre vinhos e gastronomia de Portugal ao lado dos clássicos guias turísticos. Numa época em que as grandes capitais europeias foram invadidas pela Amazon e por livreiros multinacionais que constroem enormes supermercados de livros, com cinco ou seis andares, a Daunt Books continua a ser uma das poucas - e boas - livrarias independentes a sobreviver em Londres.



ParisShakespeare


«Havemos de voltar a ver-nos!», exclamou, entusiasmado, o indiano, professor de literatura inglesa no seu país, quando se despedia de Sylvia, a gerente da Shakespeare &Co desde que o pai, o norte-americano George Whitman, lhe cedeu o lugar, aos 90 anos, em 2003. Saiu, olhou em frente, para o rio Sena e, à esquerda, para a Catedral de Notre-Dame e comprovou que estava de facto na zona sul do Quartier Latin, em Paris.
Tinha passado quatro horas - «inesquecíveis», disse - num local mítico da cultura anglo-americana, ponto de encontro de todos os «beatnicks» e surrealistas que passam pela capital francesa, outrora descrito por Henry Miller como sendo «o país encantado dos livros».
Bebera chá no primeiro andar com pessoas de todas as idades e de diversas nacionalidades - «todas cultas e livres!», explicou ao «Expresso» - depois de ter subido a escadaria estreita que arranca, íngreme, do rés-do-chão, onde há livros por todo o lado. Mesmo por todo o lado - até debaixo das mesas, das cadeiras e da escada! «Lá em cima há também de tudo: livros e até camas!», informou. Há de facto camas, onde alguns viajantes podem dormir num ambiente incomparável. As paredes estão repletas de fotos de escritores, de dedicatórias, de notas e de comentários de anónimos de todo o mundo.
O indiano ficou maravilhado com a alegre e suave anarquia da livraria onde os franceses têm de esforçar-se para falar inglês. «Não falamos francês aqui», dizia sempre Whitman, em inglês, aos clientes. Hoje, o «velho», que foi amigo de Hemingway, continua a habitar o lugar, e a regra mantém-se.
Foi igualmente George, contemporâneo de Kerouac e Ginsberg, que impôs o espírito Beat na casa. O indiano disse que, no primeiro andar, lhe perguntaram muito sobre a vida do seu compatriota Rabrindanath Tagore e ouviu um canadiano a ler uns versos de Ginsberg e a dizer que continuava «na estrada». Tudo improvisado, claro, exactamente como este repórter viu há alguns anos, durante uma visita ao local de outro «beatnick», Lawrence Ferlinghetti. Na altura, Ferlinghetti estava acompanhado pelo pintor português André Shan Lima, hoje ainda «on the road», algures na Califórnia. Um outro «beat» português - o poeta e músico Jorge Palma - foi frequentador assíduo da livraria quando viveu a cantar na rua, em Paris.
A Shakespeare & Co mantém a mesma linha antipoder desde 1919, quando foi fundada por Sylvia Beach e foi frequentada por exemplo por James Joyce, entre outros. Beach enfrentou os nazis e fechou a livraria durante a ocupação de Paris. Renasceu alguns anos depois com Whitman e com a liberdade. «Aquilo» não é bem uma livraria... é um sítio único, uma instituição livre como os autores que promove.


DenverTattered Cover


Em qualquer lista que se preze sobre as melhores livrarias independentes dos Estados Unidos, fora das grandes redes, um nome sempre aparecerá no topo: Tattered Cover. Esta charmosa livraria em Denver (Colorado) é uma instituição para bibliófilos exigentes.
Do lado de fora, o caloroso Verão ou os flocos de neve do Inverno de Denver. Do lado de dentro, o famoso ambiente acolhedor que reproduz a sala de estar de uma casa é um tentador convite. Nas temporadas de maior movimento, ainda é possível ver a atender os clientes a proprietária, Joyce Meskis, emblemática na luta pela liberdade de expressão nos Estados Unidos em época de George W. Bush. Tantos prémios quanto a Tattered Cover ganhou como «melhor livraria», ganhou-os Joyce pela sua luta contra a censura. Logo na entrada da livraria um letreiro destaca: «Qualquer forma de censura, quer seja feita por indivíduos, grupos de interesses ou pelo governo, é extremamente prejudicial a cada um dos cidadãos deste país.»
Nesta histórica área conhecida como LoDo (Lower Downtown), onde as casas vitorianas convivem com antigos armazéns restaurados, o grande tesouro de Denver surge como ponto culminante da charmosa e principal 16th Street e a metros da Union Station. Além desta filial onde funciona a administração da livraria, outras duas lojas: uma no histórico Teatro Lowenstein, da Avenida Colfax, e outra na cidade de Highlands Ranch, também no Colorado. Em todas, dimensões semelhantes de espaço que incluem três andares de livros, uma secção infantil, um hall para eventos e um café.
Diariamente, cerca de 1.500 pessoas visitam as três livrarias. A quantidade pode quase duplicar nos feriados. Durante o ano, milhares de pessoas viajam exclusivamente em busca das raridades que só aqui podem encontrar entre os cerca de 400 mil títulos.
Tudo começou em 1971, quando Joyce Meskis abriu uma pequena livraria no bairro de Cherry Creek, em Denver. A loja expandiu-se e mudou de local no próprio bairro até que, em 1994, foi aberta uma pequena livraria no histórico LoDo. Dois anos depois, já ganhara uma importante dimensão. Em 2004 foi inaugurada a Tattered Cover em Highlands Ranch, aberta somente nos feriados. A livraria de Cherry Creek mudou-se para o histórico Teatro Lowenstein em 2006.

Los AngelesSecret Headquarters

A Secret Headquarters, apenas uma sala muito bonita e arrumada meticulosamente que seduz no momento em que abrimos a porta, pode ser encontrada numa das esquinas mais anónimas do Sunset Boulevard, no bairro de Silverlake. Tal como Clark Kent, não parece mas é. Tem ar chique e sossegado, como se fosse uma butique especializada em arte expressionista cheia de catástrofes em estilo «Boom! Kaboom! Swooooosh! e Pow!» Não há garotos com «t-shirts» às riscas escondidos por trás das estantes. Este é um templo sagrado, realmente um quartel-general secreto para quem quiser saber o que se passa na vida dos X-Men, Capitão América e Iron Man. As prateleiras alinham-se com pérolas da arte gráfica generalista ou independente. Apesar do ar diminuto, a casa é capaz de satisfazer quem procura uma saga antiga imaginada por Júlio Verne ou o último sonho sangrento pintado por Mark Ryden. A um canto, uma parede só de super-heróis. Ao lado, estantes organizadas por editora ou escola. DC Comics. Marvel. Manga. E por aí adiante. Um dos superpoderes da Secret Headquarters é o diálogo que mantém com quem trabalha em Hollywood, pátria perene de tudo que é herói com ar meio cómico. Se no ecrã da TV ou do cinema apareceu algo espampanante, o mais certo é que o trabalho de tanta gente criativa também possa ser encontrado aqui. Da série «Heroes», na NBC, aos filmes do Shwarzenegger, há livros que encontramos na Secret Headquarters que vão dando continuidade às sagas mais tórridas. Embora o pequeno estabelecimento esteja vocacionado para o fã da literatura gráfica, o encanto é o da sedução. Aqui, o céu é o limite.

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