quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Crónica de Santana Castilho no Público (Uma rotina insustentável)

Uma rotina insustentável
Santana Castilho
A ministra da Educação e os secretários de Estado são puros obstáculos ao trabalho nas escolas
1. A forte adesão à greve da passada segunda-feira e a suspensão da aplicação do modelo de avaliação do desempenho decidida pelo governo PS dos Açores foram mais dois revezes significativos para a teimosia de Maria de Lurdes Rodrigues. Desde ontem que os professores avaliadores estão a coberto de nova greve e a questão volta ao Parlamento na próxima sexta-feira. A não ser que aí se opere um volte-face, o conflito entre os professores e o Ministério da Educação ameaça entrar numa rotina insustentável. De um lado, a ministra da Educação e os secretários de Estado são puros obstáculos ao trabalho nas escolas. Enquistaram na defesa do indefensável e procuram aguentar-se sem ética nem decoro. Do outro, os professores, cuja cedência seria o golpe de misericórdia no que lhes resta de dignidade, persistem em formas de contestação desgastantes, cuja eficácia não se afirma. O clima que resulta deste estado de coisas não favorece o ensino. E o ano lectivo já vai a meio.

2. A dialéctica dos presidentes dos conselhos executivos que se reuniram em Santarém é, neste quadro e no mínimo, curiosa. Disseram eles que a solução do problema (suspensão do modelo de avaliação do desempenho) estava agora na mão dos professores, que não deveriam entregar os objectivos individuais. Eles, presidentes, estavam por lei obrigados a afixar prazos para essa entrega e tinham de os cumprir. Não consigo perceber esta lógica. Então uns, os índios, devem desafiar os normativos e arriscar-se a não os cumprir. E outros, os chefes, nem sequer equacionam dizer "não" ao feiticeiro? E tendo admitido a hipótese de se demitirem em bloco, logo concluíram que não senhor, que isso seria servir o poder? Prefiro chefes que dêem o exemplo. E penso que a demissão dos cargos de execução de políticas com que não se concorda é um belo exemplo de várias iniciativas verticais, que já teriam conduzido muitos à horizontalidade dos defuntos.

3. Li as proclamações do primeiro subscritor da Moção Política de Orientação Nacional ao XVI Congresso do Partido Socialista. No que toca à Educação é um exercício de puro estardalhaço sobre o que tem conduzido as escolas ao caos e deixa sem tocar o que produz resultados: mais conhecimento à saída do sistema. Sendo aquilo, obviamente, o embrião do próximo programa eleitoral, dei por mim a pensar em cinco medidas que fariam a diferença, a saber: uma intervenção radical em matéria de planos de estudo e correspondentes programas, redesenhando tudo o que hoje é um vazadouro de modas pedagógicas sem nexo e de problemas sociais que não pertencem às escolas; uma intervenção de verdadeira ruptura com o modelo de formação de professores, cuja exigência é inaceitavelmente pobre no plano científico, cultural e didáctico; uma intervenção de corte com a tradicional estrutura orgânica da Educação, dando verdadeira autonomia às escolas, trazendo para a sua gestão os melhores e reservando estritamente para o Ministério da Educação a estratégia nacional, a supervisão e o controlo da qualidade; uma intervenção criando um serviço nacional de testes e registos educacionais, que sustentasse racionalmente as tomadas de decisão e subtraísse o futuro dos estudantes ao simples capricho, não fundamentado, dos políticos; uma ruptura total com o paradigma lúdico da escola e consequentes intervenções: devolução da autoridade aos professores, redesenho dos estatutos dos alunos e dos docentes e redefinição dos conceitos de escola inclusiva e a tempo inteiro. Professor do ensino superior

1 comentário:

A. Moura Pinto disse...

O que se escreve no ponto 2 é mesmo de um valente.
Mas faltou o ponto 4 onde Santana enunciaria os casos em que, não concordando com a lei ou outra medida da mesma natureza, foi capaz de fazer o que agora sugere aos outros.
Claro que pode afirmar (desculpar-se) que nunca se encontrou numa situação dessas. Se for o caso, como não é feliz quem, pela cara, está longe de o aparentar. Mas há caras que enganam...