segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Juros vão subir pouco em 2010 e 2011

Entrevista António de Sousa ao jornal i
Juros vão subir pouco em 2010 e 2011
por Sílvia De Oliveira,
"Aumentar impostos [em 2010] é extremamente indesejável", diz o presidente da Associação Portuguesa de Bancos

António de Sousa, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), fala de Portugal, do futuro da banca, das taxas de juro e da economia. Diz que em Portugal não existe uma restrição efectiva ao crédito e acredita que o maior problema das empresas é a incapacidade de se financiarem autonomamente. Prevê que o aumento das taxas de juro em 2010/2011 seja pequeno e defende a estabilidade dos governos.
Que perspectivas tem para o sector da banca e para o sector financeiro para este ano? O pior já passou?
Na situação internacional todos os indicadores apontam para isso: o pior já passou. Há uma situação de estabilização da banca. Nem todos os aspectos ligados aos chamados activos tóxicos estarão totalmente resolvidos, mas é uma área em que não parece que ainda possa haver grandes surpresas. Em Portugal isso não foi muito importante - os activos tóxicos tinham um significado praticamente irrelevante. O que temos agora são as consequências no sector financeiro da situação de crise económica, da qual também parece estarmos a sair, embora ainda demore algum tempo a consolidar. Como é habitual neste sector, há uma diferença temporal entre o momento em que a crise atinge os seus pontos máximos e as repercussões dessa mesma crise, nomeadamente em termos de crédito malparado. Isso pode ser um dos aspectos negativos para a banca, quer em termos internacionais quer em termos nacionais.
Aí sim, não temos uma diferenciação.Em 2010 pode haver um agravamento significativo do crédito malparado?
Na área dos particulares tudo aponta para que haja já uma estabilização. Os números dos últimos meses apontam, uns para uma melhoria, outros para uma estagnação. No domínio das empresas tem-se verificado, e é natural que assim continue, um agravamento do malparado por ser uma situação cumulativa.
Mesmo com o agravamento do desemprego que poderá continuar em 2010?Obviamente que o agravamento do desemprego em 2010 pode ainda existir, mas um aumento não terá com certeza, espero eu, o mesmo significado que no ano transacto. Pode ter algum impacto, mas tudo indica que as taxas de juro durante o próximo ano se mantenham a níveis muito próximos dos actuais. Pode haver pequenos aumentos, mas aumentos de zero vírgula qualquer coisa, que só devem acontecer depois do Verão.
O aumento vai a doer a partir de 2011?
A partir de 2011 é natural que comece a haver algum aumento e, mesmo assim, não me parece que seja muito significativo. Em 2012/2013 já é difícil de prever. Em 2010/2011 é natural que haja algum aumento, mas estamos a falar de aumentos de zero vírgula qualquer coisa - na média do ano, sem significado. Isto cria uma situação em que, na maior parte das famílias, há uma certa folga criada pela diminuição das prestações. Em geral, teremos uma situação de estabilidade.Há quem tema o aumento das falências pessoais...É um fenómeno que pode abranger umas centenas de pessoas, mas, em média - e esse é o problema das médias, há sempre casos excepcionais -, os indicadores não apontam nesse sentido. Haverá sempre os tais casos de marido e mulher que ficam desempregados ao mesmo tempo, pessoas que têm problemas de saúde... Quando se fala de falências familiares, ou pessoais, que acontecem todos os anos, a probabilidade é maior. Mas estamos a falar de casos muito reduzidos, casos sociais complicados que não têm um impacto sistémico.
Espera mais falências de empresas em 2010?
Não serão necessariamente falências. Muitas vezes, até por o processo de insolvência em Portugal ser complexo e não estar ligado directamente à situação económica da empresa, mas sim à situação financeira, o número de falências não tem a ver com ciclo económico. Interessa muito mais ver que tipo de empresas estão a falir e qual a sua dimensão. Os casos mais graves e de maior dimensão, muito ligados às exportações e muito afectados pela situação internacional, já aconteceram. Agora há muitas empresas que já estavam descapitalizadas antes da crise. Ainda se foram aguentando este ano, mas tem-se verificado, de mês para mês, que o grau de incumprimento vai aumentando. Não muito - continua a ser um incumprimento relativamente baixo em termos internacionais.
Em termos absolutos, obviamente que é pior do que antes.Se as taxas de juro também vão aumentar em 2011, podemos esperar que esse seja mais um ano difícil?
Acho que o aumento das taxas de juro em 2011 vai ser irrelevante. Se for 0,25% em Setembro ou Outubro, por exemplo, o impacto nas contas das empresas, na maior parte delas, principalmente quando falamos de PME, será na ordem das centenas de euros ou dos poucos milhares de euros. Não é isso que faz uma empresa ir à falência. Não será o impacto das taxas de juro que vai agravar a situação das empresas em 2010, e duvido que o seja em 2011. A partir daí, se houver uma retoma geral da economia, é normal que as taxas voltem a subir.
Se espera um agravamento do malparado nas empresas, a banca pode limitar- -lhes a concessão de crédito?
Não. Portugal continua a ser, dentro da zona euro, dos países onde o consumo de crédito continua a crescer, ou seja, é positivo - obviamente que com valores baixos. No entanto, quando a economia está a decrescer e a inflação é negativa, como neste momento, um crescimento ainda que pequeno é um crescimento real e significativo. É acima da média da zona euro e não me parece que haja, neste momento, uma restrição efectiva ao crédito. Há uma questão que tem sido levantada por toda a gente...O Presidente da República falou na necessidade de a banca emprestar dinheiro às empresas...A questão fundamental é que as empresas consigam capitais próprios, capacidade de se financiar autonomamente.
Porque o seu nível de endividamento é dos mais elevados em termos europeus.Então o problema está nas empresas que não conseguem diversificar as suas fontes de financiamento?
Isso é verdade para Portugal há algumas décadas. Mas com a crise a dependência face ao crédito pode acentuar-se.Não necessariamente. Houve muitas empresas que, este ano, reduziram a sua necessidade de crédito. Com a diminuição de actividade e a diminuição de stocks diminui automaticamente a necessidade de crédito para fundo de maneio. A questão do crédito às empresas não é um problema central. Há um problema estrutural na nossa economia que é a falta de capitais próprios nas empresas. Penso que o governo tem tido medidas sucessivas, com êxito moderado, de recapitalização das empresas.
Vai haver ou não limitação do crédito?
Não. Não há, nem vai haver.Então não será por culpa da banca que as empresas não conseguirão financiar os seus projectos.Infelizmente, neste momento há muita falta de projectos. Aliás, ainda no outro dia, numa reunião que houve com a banca, com o Ministério da Economia e associações empresariais, se percebeu que há muita falta de projectos de investimento: é normal nesta conjuntura.
Faltam projectos inovadores, é isso?
Não é tanto a questão dos projectos inovadores. A maior parte das empresas tem excesso de capacidade, capacidade não utilizada. Aliás, esse é um problema típico da saída de uma crise económica. O investimento demora mais tempo a aparecer. E isso é um processo que só começará a tomar balanço em Portugal com a recuperação da zona euro. Porque somos um país em que o sector exportador é fundamental.
Acha que em Portugal há política económica? Para indicar às PME com o que podem contar nos próximos anos?
Há muitos anos que tenho dúvidas sobre esse tipo de orientação. Há casos de sucesso e casos de insucesso em praticamente todos os sectores. São os empresários que têm de descobrir quais são os seus nichos de mercado, por isso é que são empresários. Empresário é exactamente aquele que é capaz de inovar, de descobrir o seu mercado. Normalmente, acho essas orientações dirigistas pouco aconselháveis. Há uma coisa que os governos podem fazer e que têm tentado fazer: os chamados clusters - por exemplo, grupos de actividades, apoios à inovação e coisas do género. Mas o governo estudou e decidiu que clusters faziam sentido no país e quais os sectores de sucesso, apesar de alguns não estarem a produzir resultados...Alguns estão. A indústria automóvel, por exemplo.Logo a indústria automóvel, que está numa mutação profunda...É de facto um problema neste momento, mas é claramente um cluster que durou muito em Portugal. E há outras áreas onde isso se verifica. Muito mais do que dizer onde se deve investir, devem criar-se condições ambientais para que investir seja fácil. E penso que nesse aspecto coisas como o Simplex nas empresas foram francamente positivas. Mas há coisas que têm de melhorar: os licenciamentos ainda demoram muito tempo e são demasiado complexos, por exemplo. É preciso criar um enquadramento competitivo favorável. Falou em êxito limitado de alguns programas dirigidos a empresas.
Estava a referir-se aos programas das PME?Foram criados fundos quer para fusões e aquisições de empresas - um aspecto importante para ganharem alguma dimensão -, quer para aumentar o capital próprio das empresas...E os empresários não têm aderido?
Menos do que seria desejável. Os fundos têm sido utilizados, mas menos do que seria desejável. Ou seja, em Portugal continua a acreditar-se que o endividamento é algo positivo, quando nós sabemos que o endividamento em Portugal atingiu níveis claramente elevados.Insustentáveis em alguns casos.Por enquanto não são...
E perigosos, são?(silêncio)
Mais uma vez, por enquanto não são. Se a tendência se mantiver durante vários anos e não houver uma recuperação da economia, então com certeza que serão. Por exemplo, as famílias responderam muito bem. As empresas têm tido menos capacidade de adaptação.Um dos problemas é o aumento previsível do crédito malparado.
O que é que isso vai significar para a banca?
Como já aconteceu em 2009, a taxa de rentabilidade dos capitais da banca começa a ser muito baixa. Diz-se que os bancos têm muitos milhões de euros de lucros, o que é verdade. Mas, comparando com os capitais próprios investidos, a taxa tem vindo a descer substancialmente.
Mas ainda é interessante?
Não. Se reparar esse é um dos principais avisos feitos pelas agências de rating. Dizem que, se a rentabilidade da banca não subir num futuro próximo, há a possibilidade de o rating descer.
Até quanto deviam subir os rácios de rentabilidade para o sector ficar mais confortável?
Pelo menos acima de dois dígitos, dos 10%. Neste momento está nos 8%, aproximadamente, o que é uma rentabilidade baixa em termos internacionais. Os bancos - se houver uma expansão da economia, obviamente, e até com as novas regras de capital - vão precisar de mais capitais. Este ano foram bem-sucedidos a ir ao mercado, mas é preciso que continuem a conseguir convencer em termos internacionais, porque esses capitais não vêm de Portugal. Portanto, precisam de obter uma rentabilidade razoável ou pura e simplesmente não conseguem esse capital.
É de esperar que em 2010 se consiga aumentar a rentabilidade da banca?
Eu diria que, provavelmente, não. E isso significa que...Que os ratings irão descer...Não, diria que vão descer mas não vão voltar ao que estavam.E o crédito vai ser mais caro.O funding para os bancos não vai ser mais caro, mas também não será mais barato.
Essa situação pode ser resolvida a partir de quando?
Depende da recuperação da economia. A banca não é imune ao que acontece na economia. A banca estava bem capitalizada e por isso pôde aguentar este período sem grandes problemas. Este ano, vários bancos conseguiram ir ao mercado financiar-se e capitalizar-se. Penso que para o ano não deverão ser necessários aumentos de capital - a não ser que haja uma expansão muito grande da economia, o que não é previsível. Depois, as directivas de capitalização não vão entrar todas ao mesmo tempo, mas de forma gradual ao longo dos próximos anos. Penso que a partir de 2011/2012 vai ter impacto na necessidade de capitais dos bancos. Em todo o caso, falta muito tempo e é preciso ver como isto corre. O problema é se continua a piorar o rating da República. Penso que isso vai depender de coisas como o Orçamento do Estado.
Acredita nas avaliações das agências de rating?
Tenho sido muito crítico em relação ao que as agências fizeram e em relação à sua falta de capacidade de previsão. As agências foram muito lentas no momento da crise. Neste momento, pelo contrário, estão a ser bastante mais rígidas.
Acha que estão a exagerar?
Penso que em alguns casos houve alguma sobre-reacção.
No caso português?
Sim. Aliás, tenho-o dito em seminários.
O outlook negativo é portanto injusto?
É uma acusação grave, porque as agências de rating mexem com a vida de milhões de pessoas na economia.As agências de rating estão a ser demasiado conservadoras. Ou seja, foram demasiado optimistas há uns tempos, agora... É um pêndulo habitual nestas situações, como acontece nos mercados financeiros.
No caso português, não acho que haja razões para terem sido tão negativas.Portugal pode ter problemas semelhantes aos da Grécia? Ou houve exagero na avaliação da questão grega?
No caso da Grécia, os números que aparecem são assustadores. Mas tem havido uma enorme discussão sobre quais são os números verdadeiros: se o défice é de 12%, se é 14%. Em Portugal não existem dúvidas dessas.No passado já aconteceu o défice ser revisto fortemente em alta.Nunca nos aconteceu sermos criticados, a não ser por uma décima ou duas. No caso da Grécia, estamos a falar de valores muito grandes. As discussões com o Eurostat sobre a forma de calcular o défice acontecem com todos os países, dos maiores aos mais pequenos, dos mais ricos aos mais pobres, e isso tem a ver com métodos de cálculo.Depende: se olharmos para a dívida pública agregada na qual se incluem os compromissos com o sector empresarial do Estado, com as concessões, com as parcerias público-privadas...Isso é realmente preocupante.
Já estamos nos 100% do PIB, como diz o estudo do BPI?
Sim. Mas se fizermos isso para os outros países, a dívida pública também aumenta substancialmente.
Os governos são despesistas e aproveitam as crises para se endividarem ou não têm outra opção senão endividar- -se por conta do sector privado quando este não consegue?
Eu penso que não é um problema de orçamentação, é um problema de estabilizadores automáticos: com a crise, a receita fiscal diminui e as despesas sociais aumentam. Isso aconteceu em Portugal e em toda a parte, indo directamente ao défice e com um impacto grande na dívida pública. É inevitável. O problema é controlar isso. Em 2009, penso que os resultados para a economia portuguesa foram razoáveis, aceitáveis dentro do contexto europeu e mundial. Esperemos que para 2010 também seja assim, mas aí o Orçamento do Estado é uma peça fundamental. Pelo menos para indicar as linhas de actuação.
O que gostava de ver no OE?
Não gostava de ver nada específico.
Mas o que gostava de ver para devolver a confiança?Para devolver a confiança aos raters?
Aos raters, aos empresários, à população.O problema da confiança tem muito a ver com aspectos que muitas vezes são subjectivos. E não é o Orçamento do Estado (OE) que cria confiança nas pessoas. Para os raters será.
Quantos de nós lemos o OE de uma ponta à outra?
É um instrumento poderoso de política económica.Isso é, isso é. O OE é realmente importante para criar confiança aos raters e às empresas maiores. Não acredito que ao nível das PME haja uma leitura intensa do Orçamento. Como sinal de política económica é importante. É fundamental que o OE mostre que tem medidas que não agravam a despesa, que aponte até para uma contenção de despesa. Numa situação de crise não espero que se corte em medidas sociais, mas há outras onde a contenção é possível.
Como, por exemplo?
O meu papel aqui, enquanto Associação Portuguesa de Bancos, não é dar ideias de política económica para o governo.
Mas acha que um dos sinais do governo deveria ser, por exemplo, o congelamento dos salários da função pública?
Neste momento é claro que o montante da despesa no PIB não pode continuar a subir. Além disso deve ver-se o caminho de começar a descer. Portanto, não é só não subir como, eventualmente, manter-se mais ou menos constante ou com uma pequena descida em 2010, e depois claramente começar a descer. A despesa em salários públicos tem um peso enorme na despesa. Como imensas outras coisas.
O congelamento seria um bom sinal?
A questão dos salários em qualquer sector depende de imensos factores. Muito mais do que saber qual é o aumento, interessa saber qual é a massa salarial, ou seja, o total da factura. Isso é que realmente interessa em termos económicos.
Como se mexe na massa salarial em 2010?
Quando fala de aumentos da massa salarial não se trata apenas do aumento de x%, mas também dos outros mecanismos que existem na função pública - como em outros sectores, mas aqui mais que nos outros -, como as progressões automáticas, as carreiras, etc., que têm um impacto muitas vezes maior. Temos problemas estruturais a esse nível que fazem com que a massa salarial aumente mesmo sem que haja aumentos. Claramente, tem de haver moderação.Muitos defendem aumentos de impostos já neste OE.Isso seria realmente um teste, tendo em conta que os impostos na economia portuguesa já representam uma parte muito elevada do PIB.
Como se diminui a dívida?Aumentar impostos é extremamente indesejável.E quanto às obras públicas e endividamento? Devem acontecer?
Tipicamente, nas situações de crise, o endividamento é desejável. Mas, sendo mais específico, em 2010 é fundamental continuar o que começou em meados de 2009: as pequenas obras públicas, que têm impacto mais directo na economia: escolas, hospitais, melhoramento de ruas.
A grandes obras não devem avançar?
As grandes obras terão um impacto relativamente pequeno em termos de endividamento. É importante haver investimento público que se repercuta em emprego e consumo de produtos portugueses. Há sempre uma parte que é importada, mas isso inevitável. Em relação às grandes obras a questão tem sido muito politizada. Não sou especialista em transportes, mas enquanto observador parece-me que o número de auto-estradas no país já é muito grande. Depois fala- -se muito em TGV e aeroporto, que são investimentos que hão-de acontecer, a prazo. O aeroporto se calhar não é tão premente porque, com a crise, o tráfego reduziu e as previsões de crescimento foram afastadas no tempo.
Tem havido aproximação entre PS e PSD com vista a um pacto para reduzir o défice no OE . Acredita num entendimento com os actuais líderes?
Mais que as pessoas, a situação impõe-no. Tudo indica que sim. Mas esses pactos têm pouco resultado.Os de 1983 e 1985 resultaram, numa crise tão grande como esta, em circunstâncias em que havia ainda fórmulas de fazer ajustamentos brutais de forma menos transparente - como a descida de salários através da inflação. Aquela situação resolveu-se, mas a seguir andámos anos a ver como resolveríamos o seguinte problema. É um assunto que a maioria das pessoas, até o cidadão comum, já percebe: que a situação financeira ou é controlada ou vai bater-lhe no bolso. As pessoas têm consciência disso, nomeadamente através das taxas de juros.
É desejável que este governo cumpra até ao fim o seu mandato?
Sempre defendi a estabilidade política e são de aproveitar todas as condições para que existam os acordos necessários. Isso é sempre desejável.

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