sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Assim se começa ...

Excelente crónica de Vasco Pulido Valente no "Público" de hoje...

Assim se começa

Vasco Pulido Valente


No essencial, a eficiência da máquina de propaganda de Sócrates não vem do exército de assessores que trabalham directamente para ele, de "gabinetes de comunicação", de empresas de comunicação que o Estado contratou (e contrata) ou de jornalistas "colaborantes". Não vem sequer do oportunismo, ou do temor, de certa imprensa e de certa televisão, ou da RTP e da RDP ou de "pressões" de vária ordem, que alegadamente os maiorais do regime aplicam com grande regularidade e método. Tudo isso ajuda e é com certeza indispensável. Mas já houve quem quisesse fazer o mesmo, sem resultado que se visse. Porquê? Porque a eficácia de uma máquina de propaganda depende antes de mais nada da disciplina política. O que Sócrates conseguiu foi impor uma disciplina, e uma disciplina severa, ao Governo, à burocracia e ao partido.Como no comunismo clássico, Sócrates tem uma "linha" sobre qualquer assunto que interesse à saúde e sobrevivência da maioria. Ninguém sabe quem decide a orientação e os pormenores dessa linha. Provavelmente, o próprio Sócrates, com a sua eminência parda, Pedro Silva Pereira, um ou outro ministro (conforme a ocasião e o assunto) e um pequeno grupo de "peritos". Por natureza, a "linha" não pode "dar" muita in-formação. Se "desse", não entrava na cabeça dos gnomos que a repetem e, principalmente, do público em geral. Para cada pergunta (sobre o Orçamento, a oposição, o mundo) basta uma resposta: simples, curta, final. Não é grave se a resposta for falaciosa ou hipócrita, ou não for, como costuma suceder, resposta nenhuma: a insistência, a convicção e a unanimidade acabam sempre por convencer os tolos.Quem leu a longuíssima entrevista de Sócrates (na semana passada) ao Diário de Notícias ficou certamente espantado com a vacuidade da coisa. O primeiro--ministro, também ele, não saiu um milímetro da "linha" oficial: da crise financeira a Manuela Ferreira Leite disse e redisse o que diria um "militante consciente" (para usar a antiga expressão do PCP). E, no dia seguinte, na TVI, Augusto Santos Silva voltou a servir a ladainha. Pior ainda: ao fim de quatro anos, pouca gente escapou à "língua de pau" deste regime. Claro que, entretanto, a realidade desapareceu de cena. A realidade económica e financeira, e a realidade política. Os portugueses, por exemplo, estão longe de perceber o sarilho em que os meteram e a humilhação do Presidente da República é reduzida a uma insignificância e atribuída à democrática vontade do PS. Assim se começa.

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