quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Nada muda

Opinião de Constança Cunha e Sá, hoje no "Público"...


Nada muda

Em Portugal, onde a memória é curta, qualquer político tem as vidas que quiser
O dr. Santana Lopes pode ter dez ou 12 vidas, pouco importa. Em Portugal, onde a memória é curta, qualquer político tem as vidas que quiser: é uma questão de interesse ou de oportunidade. Sem sobressaltos de maior, o "fugitivo" de ontem transforma-se, de um dia para o outro, num portentoso candidato presidencial, capaz de redimir a pátria da sua apagada e vil tristeza. Basta registar o entusiasmo com que a maioria dos comentadores se refere ao promissor futuro do eng. Guterres ou do dr. Durão Barroso. Aparentemente, qualquer deles daria um excelente chefe de Estado, com provas dadas na Europa, depois de se terem estatelado ao comprido no Governo que chefiavam. Os exemplos, no entanto, não ficam por aí. Um pouco por todo o lado, nos partidos, nas bancadas parlamentares ou nos vários lugares dos ministérios, encontramos as velhas caras de sempre, iguais a si próprias ou retocadas por novas funções. Só entre nós é que um político como Pedro Passos Coelho, com anos de tácticas e habilidades, à frente de uma juventude partidária, aparece, de repente, como um "renovador" encartado, capaz de refrescar a imagem do PSD.Como o país a que pertence, a classe política é pobre, fraca e limitada. Daí a rotatividade das mesmas figuras, a ressurreição de uns tantos "mortos", a desresponsabilização geral e o permanente ajuste de contas em que cai invariavelmente qualquer debate. Em Portugal, todos estão metidos em tudo. Os erros de uns justificam o fracasso de outros numa cadeia interminável de acusações inconsequentes que se anulam entre si e se enterram ciclicamente nos proverbiais erros do "sistema". Assim como, há uns anos, o "pântano" do eng. Guterres era o álibi do dr. Durão Barroso, agora, qualquer resultado negativo do eng. Sócrates é atribuído aos erros do Governo do PSD. Por muitas eleições que se façam, por muitas lideranças que surjam, por muitos "choques" que se preparem, o debate político não sai disto: deste cíclico jogo de culpas e deste continuado queixume que justifica tudo e não responsabiliza ninguém.A história das casas oferecidas pela Câmara de Lisboa, através de "cunhas" (uma das poucas instituições nacionais que ainda existem), a compadres, amigos e desvalidos de primeira categoria revela, na sua esplendorosa miséria, um mundo de favores e de cumplicidades onde o atropelo é uma regra e a impunidade uma certeza. A simples ideia de que este simpático "hábito", como foi referido por alguns intervenientes, possa violar algumas regras básicas da democracia parece não ter a mais leve importância. O facto de o património do Estado, que é um bem de todos, ser usado a seu bel-prazer por uns tantos iluminados é visto, pelos mesmos intervenientes, como uma prática "natural" exercida de forma "natural" pelos mais diversos responsáveis políticos. Mais uma vez, os abusos de uns (neste caso, de todos) justificam os abusos de outros, num caldo de promiscuidade que impede qualquer responsabilização. Houve um sobressalto, a lista dos "inquilinos" foi divulgada e, entretanto, o assunto morreu. Curiosamente, na mesma altura em que se sabe que o Governo, usando um bem público, decidiu enfeitar a frente ribeirinha com um muro de contentores que poderá ocupar 1,5 km de frente de rio. Um escândalo em Lisboa? Nem tanto. O que é, de facto, escandaloso, a crer no que se tem escrito, é a hipotética candidatura do dr. Santana Lopes.Confesso que me custa compreender a lógica desta candidatura. Se o objectivo da dra. Manuela Ferreira Leite era devolver ao partido a sua "credibilidade" perdida, parece-me, no mínimo, estranho que, quatro meses depois de ter sido eleita, decida recuperar para a principal câmara do país um dos símbolos dessa mesma falta de "credibilidade". Mas ainda compreendo menos que, na altura em que o Governo apresenta, na Assembleia da República, o Orçamento do Estado, os chamados notáveis do PSD passem ao lado deste acontecimento menor e dediquem o melhor dos seus esforços a criticar uma "decisão gravíssima" que ainda não foi sequer anunciada. Depois do espectáculo oferecido nos últimos tempos (em que o prof. Rebelo de Sousa conseguiu dizer no curto espaço de duas semanas que Santana Lopes era o melhor candidato a Lisboa e que a sua candidatura era a decisão "mais grave" tomada pela direcção do partido), a única conclusão a tirar, independentemente das contradições da dra. Ferreira Leite, é que o PSD é um saco de gatos apostado num suicídio colectivo.Não que a escolha do candidato para Lisboa seja um assunto irrelevante. Mas convém ter presente que a inesperada ressurreição de Santana Lopes revela mais sobre o partido que a critica do que sobre os eventuais métodos do candidato. Se a classe política é, como já disse, fraca, pobre e limitada, na oposição revela-se quase inexistente. Onde estão os Morais Sarmentos desse mundo que poderiam assegurar uma candidatura a Lisboa? Como se sabe, não estão. Têm a sua vida profissional, projectos para o futuro imediato e ambições à liderança partidária. Mas mesmo que estivessem: qual é a diferença de fundo entre a "cara" que representa o descalabro do PSD e alguns dos seus principais arquitectos? No fundo, nada muda e tudo se transforma.

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